sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

TURISMO DO VÁCUO, NO PAÍS DE POLÍTICOS USUÁRIOS DO SISTEMA TURÍSTICO







TURISMO DO VÁCUO, NO PAÍS DE POLÍTICOS USUÁRIOS DO SISTEMA TURÍSTICO

João dos Santos Filho

Os estudos sobre a historiografia do turismo brasileiro têm revelado dados curiosos, que são objeto de debates e reflexões junto à academia. A história do turismo nacional ainda é pouco conhecida, e as relações pesquisadas estão muitas vezes longe de resgatar suas raízes autóctones, pois são dados tratados epistemologicamente com bases empíricas estrangeiras, um tipo de eurocentrismo moderno. Esquecendo-se que os ditos modelos teóricos para a implantação de núcleos turísticos se resumem a conclusões de cunho metafísico, sem levar em conta os padrões históricos societários nacionais, regionais e locais.
Isso nos leva a pensar o fenômeno do turismo como algo ligado exclusivamente ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas num viés economicista, em que o neoliberalismo acena para o turismo como um instrumento de crescimento puramente econômico para sociedades em geral. É nesta lógica que o sistema econômico sine qua non governa e acaba determinando aos centros de pesquisa e estudos a imposição de um modo quasi faciente de entender o objeto do turismo.
Para ultrapassarmos esse estilo acadêmico duvidoso e criticável, nossas pesquisas têm revelado que o fenômeno do turismo brasileiro possui uma historicidade própria, com imensa riqueza de dados empíricos. Como percebemos, a preocupação pelo turismo vai ocorrer:
Assim, em 1938, nascia à preocupação do governo Federal com o turismo no Brasil. Seria cômico se não fosse trágico, pois o mesmo foi pensado junto ao SIPS - Serviço de Inquéritos Políticos e Sociais, encarregado da coordenação de elementos informativos de interesse da polícia Preventiva. Atividades exclusivamente de controle ideológico em que a espionagem, a polícia secreta, a repressão a qualquer outro discurso que não fosse a ideologia do Estado Novo, formatavam as atividades desse órgão de informação e segurança nacional ( SANTOS
FILHO, 2008, p.108 ).


A incorporação burocrática e administrativa do turismo pelo aparelho de Estado se dá via a tonalidade policial, como um instrumento de apoio à ideologia dominante, fomentando a criação de eventos e tipos de atividades de lazer e culturais com o objetivo de fortalecer o “Estado Novo”. É desse período em 1938, que a Divisão de Imprensa e Propaganda – DIP cria a Divisão de Turismo e a coloca como instrumento privilegiado para a construção da imagem de Getúlio Vargas. E publica a primeira estatística sobre turistas estrangeiros em visita ao Brasil em 1942:

O movimento turístico, com a guerra e consequente diminuição do tráfego marítimo, ficou quase que reduzido aos naturais do Continente americano, notadamente argentinos, uruguaios e estadunidenses. Ainda assim, no ano passado, o Brasil foi visitado por 1.793 turistas dos Estados Unidos, 1.008 argentinos, 285 uruguaios, 101 ingleses e um menor número procedente de nacionalidades diferentes (CULTURA POLÍTICA, 1942.V.21, p. 185)

Assim, o fenômeno turístico será um instrumento usado pelo Estado para dar suporte ao processo de controle social da sociedade civil, com o objetivo de impor a lógica de uma sociedade política chamada “Estado Novo” que utiliza o poder de controle policial e a repressão para governar.
Esse processo se repetiu novamente em 1966 com a criação da EMBRATUR, dois anos após a ditadura militar, torna-se instrumento de “combate ideológico”, para tentar ir de encontro à imagem que a imprensa progressista estrangeira divulgava sobre o Brasil, denunciando a tortura, a prisão e o assassinato de brasileiros pelos militares golpistas. A EMBRATUR se caracteriza como uma estrutura responsável em divulgar o Brasil democrático, pró-americano e cristão, negando a ditadura militar com ares de um ufanismo nacionalista de direita.
Esses dois processos utilizam o turismo para garantir ao aparelho de Estado sua governabilidade, para isso usa e abusa da repressão e controle da sociedade civil desenvolvendo um modus operandi de combate a todos aqueles que ousassem criticar o regime militar ou mencionasse a falta de democracia no Estado Brasileiro, para esses algozes do poder todos são comunistas.
Essa genética histórica do turismo brasileiro ainda esta presente e permanece forte, mas com nomenclaturas diferentes, num país que entende o turismo como sendo uma atividade exclusiva dos estrangeiros, pelo menos o fluxo de dados coletados em sua totalidade são exclusivos do turismo receptivo. Os planos Nacionais de Turismo permanecem como esboços de um rascunho mal elaborado encima das necessidades extemporâneas de setores hegemônicos do trade turístico voltado para o turista estrangeiro.
Por não estar voltado prioritariamente para o desenvolvimento do turismo interno, não consegue formalizar nenhum plano voltado às necessidades nacionais e automaticamente fica fora das prioridades orçamentárias de governo. Transitando ou parasitando no lobby das emendas parlamentares, instrumento escroto e imoral da democracia neoliberal. Sem verba o Ministério do Turismo fica a mercê dos interesses de políticos que despejam suas emendas parlamentares, com a intenção de atender suas bases políticas que nada tem a haver com o turismo, ou contratarem eventos “turísticos”, “culturais”, partidários e até religiosos, em que as empresas contratantes apresentam alguma relação de parentesco ou de amizade com políticos ou funcionários da estrutura governamental.
Obviamente que o Ministério do Turismo, por mais que deseje, não se pode apresentar um planejamento de atividades baseados em um Plano verdadeiramente Nacional de Turismo, mas sim ficar na mão de políticos barganhistas. Que dominam a estrutura administrativa do turismo no governo Federal e fazem parte do folclore turístico brasileiro.
Na história do turismo brasileiro, encontramos inúmeros momentos caricatos cheio de humor, embalado pela idéia do sofisticado chiquê. Essa é a noção que alimenta o imaginário dos políticos curiosos, que sempre estiveram à frente dos órgãos públicos de turismo, uns mais dedicados a viajar, outros que faziam questão de elitizar a atividade para sair na coluna social, outros, ainda, servindo-se do cargo para galgar posições políticas maiores na área pública ou privada.
O turismo marca a idéia do lúdico, da viagem, do deslocamento, do divertimento e do descanso; tudo isso alimentado pela ideologia neopositivista de que essa é uma atividade reservada às classes abastadas e, portanto, a ênfase é para o turismo receptivo e não para o turismo interno.
A presidência da EMBRATUR e do Ministério do Turismo continuam sendo, palcos de disputa de políticos que indicam protegidos do partido, dos militares e dos meios de comunicação. Essa é uma prática corriqueira e comum no interior do Estado brasileiro que secundariza a competência profissional a favor do apadrinhamento político.



Bibliografia



CULTURA POLÍTICA. Revista Mensal de Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Ano II, n. 21, 10 de novembro de 1942.

SANTOS FILHO, João. O Turismo na era Vargas e o Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP. Revista de Cultura e Turismo – CULTUR, Santa Cruz, ano 2, n.02, 2008.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

MILITANTE POLÍTICO REPUBLICANO, CHARLES RIBEYROLLES E A HOSPITALIDADE NO BRASIL IMPÉRIO


MILITANTE POLÍTICO REPUBLICANO, CHARLES RIBEYROLLES E A HOSPITALIDADE NO BRASIL IMPÉRIO








Autor: João dos Santos Filho


















Bacharel em Turismo, pelo Centro Universitário Ibero-Americano de São Paulo (Unibero) e Bacharel em Ciências Sociais, pela PUC/SP. Mestre em Educação: História e Filosofia da Educação, pela PUC/SP. Professor-convidado na Faculdad de Filosofia e Letras da Universidad Nacional de Heredia (UNA), em San José da Costa Rica. Professor concursado pela Universidade Estadual de Maringá. Autor do livro “Ontologia do turismo: estudo de suas causas primeiras” EDUSC, Universidade de Caxias do Sul. E-mail joaofilho@onda.com.br
Av. Guedner n. 948 casa 3 Jardim Aclimação CEP 87050-390 Maringá Paraná











MILITANTE POLÍTICO REPUBLICANO, CHARLES RIBEYROLLES E A HOSPITALIDADE NO BRASIL IMPÉRIO

Resumo
O objetivo deste artigo é aglutinar subsídios para que conheçamos, com maior profundidade, a historiografia da hospitalidade e do turismo brasileiro. Não poderia faltar, portanto a contribuição do militante político e cronista francês Charles Ribeyrolles, com seu livro escrito em 1859, sobre os costumes do Brasil Império, acompanhado de ilustração fotográfica de Victor Frond. O surpreendente é que a noção de hospitalidade para ele está vinculada à razão crítica que os homens devem possuir para entender a realidade que o cerca, exteriorizada quando afirma: “Quando penetra em lar estranho, o viajante deve o respeito às tradições, aos costumes e mesmo às suscetibilidades tropicais de quem o hospeda.”

Palavras-chave: Hospitalidade no Rio Império; Escravidão; Fotografia como instrumento histórico; Napoleão III.

A REPUBLICAN POLITICAL MILITANT, CHARLES RIBEYROLLES AND THE HOSPITALITY IN BRAZIL EMPIRE
Abstract
The objective of this article is to agglutinate subsidies in order to know, in greater depth, the historiography of the Brazilian hospitality and tourism. It could not lack, therefore the contribution of the political militant and French columnist Charles Ribeyrolles, with his book written in 1859, on Brazil Empire's habits, accompanied of photographic illustration of Victor Frond. What is surprising is that the hospitality notion for him is linked to the critical reason that men should possess in order to understand the reality that surrounds him, uttered when he affirms: "When one enters a stranger’s home, the traveler owes the respect to the traditions, to the habits and even to the tropical susceptibilities of the host".
Keywords: Hospitality in Rio Brazil Empire; Slavery; Picture as historical instrument; Napoleon III.









Esclarecimento metodológico

O presente artigo é resultado de investigações decorrentes da linha de pesquisa “hospitalidade no Brasil Império”, que tem por objetivo estudar as obras escritas sobre o Brasil por viajantes, cientistas, naturalistas, padres e visitantes do século XIX, que por razões diversas viveram no país entre o período de 1808 a 1889. O estudo refere-se à obra de Charles Ribeyrolles, intitulada “Brasil Pitoresco: história, descrições, colonização e instituições”, de 1859. Nosso interesse investigativo foi procurar entender como o autor compreende a hospitalidade no Brasil Império.
A origem da palavra “hospitalidade” vem do latim e significa “acolhimento”, porém ela abrange um valor de significação que ultrapassa o conceito de abrigar, pois o campo da hospitalidade agrega graus diferentes e contraditórios de sociabilidade no tratamento dispensado às pessoas, que devem ser recebidas realmente como hóspedes. Para nós interessa o tratamento que o “hospedeiro” oferece ao hóspede e vice versa. Por isso, constituem-se em um conceito que perpassa integralmente os costumes de uma determinada sociedade, retratando o cotidiano da sua cultura material e espiritual.
Charles Ribeyrolles junto com o fotografo Victor Frond tornam-se nossos personagens centrais, ambos republicanos, proscritos pelo golpe de Estado realizado por Napoleão III, na França, em 1851. Exilam-se no Brasil, com a missão de escrever um livro, este resultou no primeiro estudo feito por viajantes na América Latina a utilizar a fotografia e a litografia como material iconográfico ilustrativo.
Este livro tem uma dupla significação, registrar e recuperar memória histórica nacional, auxiliando no desvelamento da historiográfica sobre hospitalidade e do turismo brasileiro, bem como, se trata do primeiro estudo sobre o Brasil, feito por um republicano e militante político, acompanhado de fotografias para ilustrar seu conteúdo.

Preliminares

Charles Ribeyrolles jornalista, ativista político e cronista: lutava pela defesa do regime republicano, contrapondo-se ao golpe de Estado feito por Napoleão III, em 1851. Por ser redator-chefe do Jornal La Reforme, por onde se expressava contra o golpe de Napoleão foi perseguido, fugiu para Londres, e posteriormente dirigiu-se ao Brasil em 1858, para trabalhar com o fotografo Victor Frond . Morreu em primeiro de junho de 1861, no território nacional, de uma peritonite, segundo esclarecimento feito por Frond:

Esse fatal acontecimento, por tantos títulos, nos enche de desgostos, foi injustamente atribuído à febre amarela, e não passou de conseqüência de uma peritonite. Por mais penosa que me seja esta revelação, devo-a ao país hospitaleiro que Ribeyrolles pretendia defender na Europa e que, segundo suas formosas e verdadeiras palavras, todo o mundo censura. (RIBEYROLLES, 1980, v.2: 201; 2).

A ilustração de Frond categoriza essa brilhante obra publicada pela Tipografia Nacional, em 1859, por ordem de D. Pedro II. O autor arrola fatos importantes do cotidiano da época e foi um mestre em relatar a história em um tom romântico, sem perder a iniciativa da crítica ao processo político e econômico do Império. Com sua profunda formação política educacional e cultural, tornam seus discursos verdadeiras peças literárias, interessantes de serem lidas e observadas, pois o texto é ilustrado com um farto material iconográfico, composto pela novidade das fotografias obtida pelo artista da imagem, o fotografo Frond.
O viajante Charles Riberyolles constitui um militante do partido político republicano revolucionário, pois relata, de forma opinativa, sua relação para com os problemas políticos, econômicos e sociais propondo a superação dos mesmos. Por isso, seu discurso torna-se engajado e militante no relato crítico sobre a realidade brasileira.
Nosso objetivo foi resgatar como o autor descreve o processo de sociabilidade junto às relações sociais que podem ser classificadas de hospitalidade e as sinalizações que surgiram pelo fenômeno turístico naquele período histórico, visto que é a primeira vez, na história latino-americana, que a fotografia é utilizada em um livro. Com a intenção de ilustrar as riquezas de um país, a obra de Ribeyrolles ganhou status e importância documental em virtude da variada iconografia apresentada sobre o cotidiano do Brasil Império.


Visão de mundo de Ribeyrolles

Ribeyrolles, homem culto que utiliza seu discurso irônico e em muitos momentos marcados pelo sarcasmo e pela radicalidade quando se refere ao processo de colonização. Como republicano convicto, tinha claro que a expansão do imperialismo francês, inglês, português e espanhol era resultado de uma mistura de rearranjos do Estado absolutista que se encontrava em agonia e desespero. Que tinha que buscar uma sobrevivência mortífera e concomitante à expansão das relações capitalistas que se expande no mundo. Segundo ele, “[...] seguiu o espírito moderno e suas três grandes forças: a ciência que descobre a indústria que realiza o trabalho que produz” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 26).
Mais adiante, usa um discurso extremamente denunciante e demonstra sua consciência crítica ao processo de exploração ao qual foram submetidos os “nativos da terra”, chamando “esses homens sem palavra e piedade” de “aventureiros da conquista” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 32):
Esmagavam sob uma chuva de ferro e fogo as nações da flecha. Saquearam os deuses hospitaleiros os lares indefesos, o túmulo dos mortos. Carregados de ouro, e nunca saciados dele, fizeram falar os brasileiros ardentes, as tenazes aguçadas, as roldanas, os cavaletes. E o que restava de velhos, mulheres e crianças, em seguida à metralha e à tortura, acorrentavam e vendiam, nada ficando livre atrás de si, nem terras, nem povos! (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 31; 2)

A consciência política de Ribeyrolles pode ser percebida em sua escrita, quando de forma aguçada e penetrante registra que para os colonizadores. “O ouro era seu ideal. O vinho a bússola [e] a inquisição a imprensa [e que] eles representavam fortemente a besta humana” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 32). Podemos afirmar que, para a sua época, este jornalista possuía um senso crítico afiado e posições políticas definidas. Imaginamos como a visão da escravidão o deve ter ferido em suas convicções de justiça e liberdade, pois escreve:
Brasileiros, não sois nem botocudos, nem purís, nem portugueses. Sois da filiação humana, tendes avós como nós todos. Homens e povos, não há mais sobre a terra nem velhos, nem moços, nem grandes, nem pequenos. Só há trabalhadores (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 34).

Podemos considerar Ribeyrolles um defensor do abolicionismo, que lutou na França contra Napoleão e aqui no Brasil pela liberdade dos escravos e em favor de trabalhadores livres para a agricultura e para a pequena indústria que começava a despontar. Na verdade, foi um homem à frente de seu tempo e que possuía consciência da luta de classes. Mas, apesar dessa criticidade, não deixou de expressar preconceitos baseados na visão etnocentrista que imperava no senso comum e na própria academia européia como explicativas do mundo.

Selvagens

Em uma das partes de seus escritos, ao se referir aos nativos da terra, o qual os chama de selvagens, faz uma interpretação sobre os primeiros habitantes do Brasil, indagando:
As tribus, como os povos e os homens, só valem pelo que deixam como herança comum. Artes, ciências, indústrias, cultura, línguas, religiões, governos, revoluções, eis os legados. Ora, em todos esses assuntos, que valores se encontrarão nos arquivos e depósitos da América do Sul? (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 36).

Ribeyrolles comete um erro comum entre os europeus: fazer a leitura do Novo Mundo segundo preceitos de sua realidade histórica. Para ele, a visão do atraso surge como força explicativa. Considera as aborígenes raças inferiores, que não produzem nada além de arcos, flechas, colares, clavas de luta e cocares, portanto sua cultura é pobre e não deixam nada como legado.
Ainda conforme o cronista, a falta de uma religião entre os indígenas explicaria o canibalismo e expressava “que era mister devorar o inimigo vencido. Os antigos Tapuias comiam os próprios pais. Banquete filial! Destino patético!” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 37).
O sistema de governo era o talião, no qual o pagamento do crime é pago com crime semelhante. Quem trabalhava eram as mulheres, pois os homens se limitavam à caça, pesca e à coleta, como afirma Ribeyrolles:
Quanto à lavoura, contavam-se em algumas tribus campos de milho e de mandioca. Mas, em geral, os índios só viviam entregues aos misteres de caça e pesca, sem o menor comércio mútuo, nem tão poucos rebanhos. Era a vida primitiva, dia a dia, com todos os problemas do sertão (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 39).
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É evidente que a visão de mundo de Ribeyrolles estava sedimentada na idéia do Francês Georges Louis Leclerc, conde de Buffon, que foi um naturalista, matemático e escritor, o qual defendia a tese de inferioridade das espécies, como nos esclarece o historiador Antonello Gerbi:

Uma das mais importantes descobertas de Buffon, das que maior orgulho despertava nele, é que as espécies animais do Velho Mundo e as da América meridional são diferentes. Diferentes e em muitos casos inferiores, ou mais debéis, as do Novo Mundo. (GERBI, 1996: 19)


Com isso, Buffon define também a natureza dos habitantes do Novo Mundo, como seres inferiores e débeis, pois afirma que os mesmos não conseguiram submeter a natureza aos seus interesses. Mas, sim, se mantiveram sob o controle da natureza, na qualidade de passividade, sem a produção de qualquer comércio ou produção para a troca.
Buffon na verdade, expressava a idéia de que o progresso não havia chegado para esses povos da América, pois o valor de uso prevalecia sobre o valor de troca, isto é, a dinâmica da vida seguia as regras da natureza e não as do mercado.
Com esse entendimento preconceituoso e eurocêntrico, Ribeyrolles trabalha sua visão de mundo, que nada tem de surpresa, pois esta era a forma corriqueira de interpretar o mundo. A comparação entre os povos, tendo como matriz os preceitos ideológicos do Velho Mundo como superiores e dentro do padrão de civilização correta, em detrimento aos “padrões primitivos” do Novo Mundo.
Por sua militância política, Ribeyrolles escreve sobre os franceses destacando que os mesmos vieram para o Brasil com o interesse de:
Organizar uma expedição que se tornaria colônia no novo mundo, dar à França uma terra que equilibrasse os reinos renascentes de Portugal e Espanha, preparando subsidiariamente um refúgio para os homens de religião que desafiavam as cóleras do tempo, e fundar, através dos oceanos, um asilo, uma colônia livre, tal era o fim da empresa (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 47).

Segundo Ribeyrolles, por falta de estratégia militar a França foi expulsa do Brasil. O cronista afirma que “As expedições de França deviam, pois, abortar. Não foram elas mais do que incidentes” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 54).

Independência
A Revolução Francesa, segundo Ribeyrolles, trouxe pouca repercussão no interior da sociedade brasileira, mas nunca deixou de inspirar os movimentos em favor da independência do jugo de Portugal: “O Brasil, sempre debaixo da tutela portuguesa, estava, mais que nunca, vigiado e bloqueado. Seus mares emudeceram. A nau mercante procedente da Inglaterra só trazia os boletins de Londres” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 125). O cronista acrescenta:
E a Inglaterra se enriqueceu segundo o contrabando. A maioria dos príncipes traíram a liga, e a realeza lusitana achou melhor exportar-se que lutar. Que podia ela em terra contra as tropas de Napoleão? Contra o inglês ou sem o inglês, que podia ela no mar? Seria melhor conservar o antigo título e as colônias do que trazer uma coroa avassalada a Junot. (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 126)

A família real portuguesa foge para o Brasil, acompanhada por uma escolta britânica e, segundo Ribeyrolles, trazendo toda a corte e seus serviçais. Primeiramente param na Bahia e, em seguida, partem para Rio de Janeiro: “O Brasil ia tornar-se uma potência, e o Rio uma capital soberana, metrópole da pátria. Que de coisas trouxeram esses mordomos!” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 128).
O contingente de funcionários (mordomos) eram os coletores de impostos, os que podiam decretar, por meio de requisições, qualquer bem como de utilidade da coroa, como também determinar a função da terra e das propriedades. Segundo Ribeyrolles, “[...] não se conseguiu esgotar a paciência dos brasileiros, tão bem compreendiam que o poder entre eles era uma primeira independência” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 128; 30).
A abertura dos portos às nações amigas, em 1808, traz o Brasil para o mundo, tornando o Rio verdadeiramente cosmopolita e o centro político brasileiro, no qual:
Geógrafos, historiadores, viajantes, artistas, todos quantos vagam e deliram aqui deixaram seu hino sobre as belezas interiores, as praias indolentes e fascinantes, as magníficas profundidades desta baía.
[...]
Estamos em frente ao Pão de Açúcar, e posto que já tivesse anoitecido, eu vislumbrava, em brumoso perfil, a algumas braças de mar, esse descomunal monólito pousado, como um gigante de atalaia, à entrada da baía. Ele está nu, de cor alvacenta e fulva, mordido de sol e vento (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 175).

Ribeyrolles também se encanta com a beleza natural do Rio, mas como bom observador crítico, e de uso de seu sarcasmo característico, ao se referir às embarcações ancoradas na baía da Guanabara, faz o seguinte comentário:

A Inglaterra e os Estados Unidos contam o maior número de velas. Vêm depois a França e Portugal. O Brasil excede-os em cabotagem. Mas possue (sic) poucos cascos alterosos para o oceano e o longo curso.
De quem a culpa? Não será da floresta. Ela fornece, sobre milhas da costa e de fundo, as mais ricas madeiras de construção que se possam encontrar em estaleiros do mundo (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 178).
Descrição da cidade do Rio de Janeiro


Ao descrever a cidade do Rio de Janeiro Ribeyrolles, o faz com olhos de um urbanista, preocupado com o bem-estar da população e com as condições de saneamento básico, que apesar de ser a Capital Federal, eram precárias. Seguem-se algumas das afirmações interessantes:

[...] as ruas formam ângulo reto. São estreitas, mal calçadas, em mor (sic) parte, e os acanhados passeios que as cercam pertencem menos aos pedestres que aos muares.
Para além do espaçoso centro correm as ruas que cortam a cidade nova (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 183).

[...] o Rio, ao que se afirma, vive do comércio e pode repousar em seus generosos destinos de cidade-entreposto e capital. Não se centralizam, por ventura, em seus armazéns, as províncias de oeste e do sul? Não tem ela em seu porto os navios de todas as nações que pagam ricos dividendos à Alfândega, e suas prerrogativas de metrópole, de sede de império, com os grandes luxos e os grandes proventos? (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 184).

Não existem fossas, porém barris. A certas horas, passam carroças com o tonel fétido, a caminho das praias. Quanto ao resto... lá se vai para o mar à cabeça dos negros, como se fora um cesto de laranjas. É o que se chama o serviço dos tigres (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 189).


Para Ribeyrolles, o Rio possuía ares de Veneza, referência de base dentro dos princípios do eurocentrismo, ao escrever que:

O Rio de Janeiro deveria, pois, em vez de adormecer em sua mole ociosidade de capital, criar a sua especialidade de trabalho. Tomar a sua marca de fábrica, estabelecer a sua indústria, ainda que fosse só de doces, e dar-se um pouco menos ares de Veneza em suas chácaras (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 185)

Porém admite que o abastecimento de água do Rio de janeiro era exemplar e atende às necessidades da Capital Federal, entretanto aproveita para ser mais uma vez sarcástico com a política do reino:
Há torneiras ao canto das ruas, chafarizes em algumas praças, e o serviço das casas é feito por aguadeiros que vos levam a mercadoria em barris.
Isso, já se vê, é feito com a primitiva simplicidade, à moda portuguesa antiga. Estudai, aliás, os hábitos, as tradições, os costumes e, diga o que disser a Constituição, achareis por toda a parte o mesmo cunho, a mesma lei. O brasileiro reina. O português governa (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 186; 87). (grifo nosso)

A iluminação pública no Rio já estava sendo feita com gás, apesar da resistente existência dos antigos, fumacentos e românticos lampiões de azeite. Assim comenta Ribeyrolles, novamente com seu peculiar sarcasmo: “O bico irradia. O candieiro agoniza [...] Uma companhia, como nas cidades principais da Europa {administra}. Quando os capitais particulares entram em ação, andam mais depressa do que a administração pública” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 189).
O cronista registra que na cidade do Rio de Janeiro, “Não há nem banhos nem lavatórios públicos” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 190) também se referindo à falta de água e de arvores no passeio público, em trechos como:
Os melhores passeios do Rio são os morros pelas rudes ladeiras do Castelo, da Glória e de Santa Teresa. Só os artistas, os estrangeiros e os negros se arriscam a essa escalada com o sol a pino. A melhor hora é pela madrugada, antes que se abrasem a cidade e a baía (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 192).

O escritor tece uma crítica à falta de memória histórica do brasileiro a partir de
Onde estão, pois os monumentos?
Salvo o aqueduto, de bom aspecto, realmente, com suas duas arcadas, não existe no Rio um único monumento público, nem uma colunata, nem uma estátua. Esquecimento, preguiça ou bom senso? (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 200)


A população do Rio chama a atenção do autor por sua riqueza cosmopolita, explicitada em excertos como: “[...] que o Rio é mais rico (que New-York) em espécies, em tipos, e encerra em seus muros vinte povos diversos [...] Ide, pela manhã, ao mercado próximo do porto. Lá está ela, sentada, acocorada, ondulosa e tagarela, com o seu turbante de casimira, ou vestida de trapos, arrastando as rendas ou os andrajos (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 202; 3).
Ribeyrolles faz uma rica descrição dos tipos existentes no Rio:
[...] as negras vendedoras, matronas do logar, patrícias da manga e da banana, com seu rosário de chaves. Essas damas mercadoras têm seus escravos que lhes arrumam as quitandas, vigiam, vendem ou vão colocar seus grandes cestos nas esquinas das ruas freqüentadas, tentando a curiosidade do passante.
[...] a segunda classe de quitandeiras não tem mais que um tamborete e um taboleiro sobre estacas e debaixo de um toldo, nas horas de muito sol.
[...] Agachadas ou marchando atrás das senhoras, vão as negras do Congo, de Moçambique, de Anguiz e de Benguela. É o proletariado negro, em saias amarrotadas, bochechas tatuadas e anéis de cobre. Algumas delas têm filhos carapinhentos e nus que brincam pelo chão; e quando levam o cesto à cabeça, carregam às costas o seu querubim negro enrolado em sua manta azul, como um esquilo na folhagem (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 203).

Os negros mais jovens e sadios eram vendedores que carregavam pesados cestos e passavam a oferecer seus produtos, nas portas, corredores, ruas comerciais, praças públicas e em toda a cidade, percorrendo longas distâncias. Para se distrair de tão penosa tarefa, acertavam entre eles cânticos cadenciados, acompanhados de um chocalho ou de qualquer instrumento musical.
No mercado, ficavam os escravos velhos e doentes cuja força servia para carregar pequenos cestos de frutas; e outros sadios e robustos, para fazer o trabalho do cais ao mercado. Ribeyrolles tece uma critica e ao mesmo tempo um elogio aos estivadores escravos e à modernização do trabalho:
Dificilmente se encontraria mais belos grupos de estivadores, vivos e velozes em Marselha ou nas docas de Londres. É verdade que lá o grande comércio tem todos os seus petrechos – os guindastes, os moitões, as polias, os cabrestantes, os pequenos de ferro, e não se tem tanta necessidade de atrelar o homem (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 204).

Numa descrição brilhante, sagaz e crítica, Ribeyrolles, como antropólogo nato, descreve a exploração da mão-de-obra escrava, questionando os vários tipos de trabalho aos quais os escravos eram submetidos:
A quem reverte o salário, o ganho do negro?
O senhor taxa o escravo a tanto por dia ou por semana. Ele precisa de sua ração. E como ela é regulada pela sua força, atividade e inteligência, é difícil para o negro ajuntar seu pecúlio ou gastá-lo com as dançarinas.
Há no Rio proprietários que mantêm no ganho até trezentos escravos, e cada noite aferrolham tranquilamente um rendimento de lista civil. Por que não? Compraram a ferramenta, o instrumento. Carne, suor e sangue, tudo lhes pertence. No entanto, são católicos, membros de várias irmandades, acompanham as procissões, tocha na mão, visitam as igrejas e fazem a sua páscoa. Santos homens! (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 204).

A escravidão no Brasil teve características muito peculiares no que se refere ao trabalho escravo no Rio por ser eminentemente um pólo administrativo do reino e possuir o maior porto do Brasil por onde era exportado o café. Isso significa que a força de trabalho escrava na Capital Federal se concentrava no setor de serviços e por esse motivo surge a maximização dessa mão-de-obra, que tinha que atender às necessidades de uma população abastada.
Por isso, o escravo passou ser uma não-de-obra que já começava a “competir” com o trabalho livre e a se tornar um entrave para o avanço do capitalismo, mas não para o capitalista, como bem especifica Ribeyrolles:
[...] classe numerosa dos criados de aluguel. Abri os jornais, lede os anúncios. Os aluga-se, vende-se, precisa-se fervilham. Predomina o aluga-se. Aí encontrareis domésticos de mesa ou de quarto, trabalhadores, amas de crianças, lavadeiras, mucamas, cozinheiros, moços de cozinha, pagens. Há de tudo, para todas as necessidades, nessas taboletas mercantis que choram, muita vez, na primeira página, sobre as desgraças sagradas da Itália ou Polônia.
[...] Sapateiros, alfaiates, funileiros, pedreiros, pequenos industriais e fabricantes, que não podem adquirir o instrumento negro, alugam-no e lhe pagam os serviços. Para quem os salários desses obreiros e empregados? Para os senhores, integralmente (Ribeyrolles, 1980, v.1: 206).

Apesar do tom crítico e áspero contra as injustiças, Ribeyrolles era ainda um dos muitos intelectuais e militantes políticos que defendiam a idéia de pureza da raça. O que é explicável para a época e para quase todos doutos da ciência que defendiam a noção de raça superior, sintoma de uma aristocracia que começava a ruir, como escreve Georg Lukács:
La demagogia social de la teoria racista, que es una teoria por esencia aristocrático-reaccionaria y antidemocrática, no apunta ya directamente hacia el pasado feudal, como estado ideal que se trata de restaurar, sino que se hace pasar por una doctrina que señala la ruta del porvenir. Bajo Napoleón III, la oposición aristocrático-feudal no se mostraba todavía tan abiertamente feudal, con el rostro vuelto hacia el pasado. Y las masas trabajadoras desengañadas del régimen bonapartista, al recobrarse del aturdimiento que les había producido la derrota de 1848 y verse de nuevo libres de la influencia demagógica de los hombres de diciembre, fueron orintándose cada vez más marcadamente hacia la izquierda, por los derroteros de la recuperación de la democracia y hasta de lucha por el socialismo. (LUKÁCS, 1972: 544).

A teoria racista traduz-se como uma reação dos teóricos da aristocracia, que criaram falsos debates, pesquisas e pressupostos, tentando explicar a questão da pureza da raça, para contrapor a queda das Monarquias via revolução ou eleição. O surgimento das Repúblicas enfraquecia e punha em perigo as casas reais, por isso surge, com força, teoria racista que defendia a importância do monarca por este ser o ponto de equilíbrio e possuir sangue azul.
Ribeyrolles volta a reafirmar que seu pensamento tem raiz na teoria racista quando escreve:

Morenos, louros, negros e pardos abundam. Caboclos puros são como abencerragens.
Vêem-se, às vezes, alguns mestiços – índios, filhos de negros ou de brancos, e as mulheres dessa mistura não destituídas de graça, sobretudo se há duas gotas de sangue azul. No sul chamam-se chinas, e seus irmãos mamelucos. Os filhos de índia e negro são inferiores e têm a alcunha de coriboca. (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 207). (grifo nosso)

Ribeyrolles descreve, em detalhes, a cidade do Rio no que se refere a sua pujança na produção e no comércio de jóias, antes proibido e reprimido pelos interesses do reino português, porém liberado com a vinda Família Real para o Brasil, para atender aos interesses da nobreza e dos ricos comerciantes.

Hoje, a rua dos Ourives tem direito da ferramenta, a liberdade da oficina. Suas vitrines irradiam ouro e prata. Candelabros, lâmpadas, custódias, relicários, toda a ourivesaria das igrejas está sob as vistas do público. Fabrica-se também o bracelete, o broche, o diadema, todo esse mundum-muliebrem de que falam os poetas romanos. Contudo, os Cellini são raros na rua dos Ourives. Suíços, franceses, alemães mantêm loja e concorrência com brasileiros e portugueses. Trabalha-se a obra em grosso para venda. A obra-prima vem sempre de Paris. (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 208)

No que se refere ao entretenimento, com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, as mulheres passaram a conquistar maior liberdade, circulando pelas ruas, dançando em recepções festivas da Corte, comparecendo a saraus, teatros e ópera. O piano era ainda escasso e somente aparece em alguns sobrados, sendo um produto que começará a entrar no país paulatinamente, modificando a produção musical a partir de 1850 e inaugurando o salão no sobrado urbano e nas sedes das fazendas. E logo estava sendo usado para composição de modinhas e lundus, nas mãos da fantástica Chiquinha Gonzaga.
Ribeyrolles (1980, v.1: 209) “O piano faz barulho em todas as salas. Esse enfadonho pedalista, que não tem nem os grandes sopros, nem os cantos profundos do órgão, invadiu tudo, até os depósitos de bananas, e matou a conversação”.
As grandes procissões da igreja católica eram festividades religiosas que ocorriam de dia e à noite, das quais os escravos e a população em geral participavam de forma ativa. Ribeyrolles não poderia deixar passar despercebido esse acontecimento, sem fazer os seguintes comentários:

O trabalho e os salários perdem nelas cem dias. Os negros amam as tochas, a música, o incenso, os grandes cortejos. As crianças adoram os tiros, as bombas e os foguetes. Crianças e negros correm, pois, às procissões. Clérigos, monges, confrarias são o espírito que as anima. Eles não têm circensis. Sabem que os hábitos, as tradições vivem muito tempo depois da fé morta (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 209).

O teatro era um entretenimento do mais democrático e trazido pelos jesuítas, que se servia de seu processo pedagógico de ensinamentos de técnicas teatrais, eficazes e fascinantes para a educação religiosa de evangelização. Começaram, então, a incorporar os costumes nativos, máscaras, pinturas e elementos do cotidiano indígena ao seu secular e dogmático ensino, produzindo espetáculos quase sempre litúrgicos, de cunho eminentemente apostolar, nos quais se juntavam anjos e flores nativas, santos, bichos, com louvores a Deus.
Ribeyrolles, ao se referir ao entretenimento popular da época, destaca o teatro, afirmando:
O verdadeiro entretenimento público no Rio é o teatro. Todas as classes o apreciam, freqüentam-no, têm nele a sua localidade, a pesar do calor. O de S. Pedro de Alcântara, no largo do Rocio, é digno das cidades; as cenas secundárias do repertório, as pequenas platéias de Londres. (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 210)
Os brasileiros amam a arte, e nós também. Se gostam, ao mesmo tempo, das igrejas e das procissões, por que deixam que se perca e desapareça a grande música sacra? (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 211).
A cidade do Rio de Janeiro era também palco de pleno desenvolvimento das artes cênicas, gosto trazido pelos jesuítas que aplicavam a interpretação teatral para a catequização dos nativos da terra. Um dos vanguardistas desse processo foi o padre José de Anchieta. A Família Real ergueu o Real Teatro São João, rebatizado de São Pedro de Alcântara, em 1826, e arrendado, em 1838, por João Caetano. Em 1871, foi inaugurado o Teatro Imperial D. Pedro II, que teve em sua abertura o famoso baile de máscaras. Este teatro se localizava na Rua da Guarda Velha, nele eram apresentadas as óperas, muito ao gosto da Corte, por isto ficou conhecido como Teatro Lírico.
Não poderíamos deixar de destacar o Teatro Municipal Casa da Ópera, fundado na cidade de Ouro Preto no ano de 1770, considerado o mais antigo da América do Sul, com capacidade para 350 pessoas. Local onde o Barroco mineiro deleitava a sociedade que ostentava o luxo e a riqueza vindos do ouro.


Viagens e hospitalidade


Pode-se destacar como Ribeyrolles tem presente, em sua militância política, a prontidão para o embate verbal. A sua habilidade para com as palavras o faz um crítico inteligente não caindo no vazio político. Quando se refere às cansativas e duras viagens dos tropeiros, que na verdade dinamizavam a economia, afirma: “Dormi em paz, tocadores de mulas. Em breve, não haverá mais tocadores de homens” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 220).
Uma das primeiras vezes que Ribeyrolles toca no assunto de hospitalidade descreve-a com o costumeiro tom crítico, comentando:

Neste país onde abundam as montanhas, as hospedarias são raras. Seria uma ventura que as houvesse em cada parada. Tome-se a serra do Comércio ou a de Botage (?), ou o caminho de Rodeio, para ir a Valença ou a Vassouras, e ter-se-á que pousar na primeira venda. É o que existe de melhor.
Assim fizemos no Quilombo, pequeno hotel da estrada de Vassouras, onde há feijão, milho, arroz, sardinha, carne seca todos os primores e virtualhas do deserto. O serviço foi excelente entremeiado, como sempre, de – paciência! Paciência! – e coroado de um boletim avisando a perda de vinte mil réis! É verdade que as mulas compensaram. Que vitórias para três proletários! Com alguns Austerlitz como esse, ficaríamos a seco. Sem a menor munição (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 224).

O comentário sobre os preços cobrados pela hospedagem é comparado a uma guerra, pois os valores dos serviços deixariam qualquer batalha sem munição, bem como os elevados gastos das viagens que nas palavras de Rebeyrolles (1980, v.1: 224) no “[...] Brasil custa mais caro que na Rússia ou Inglaterra [...]. Ao comentar sobre as estradas da época descreveu as cruzes e os esqueletos que se observam no caminho a disposição das intempéries. Destaca-se, a seguir, um de seus comentários a respeito da segurança de se viajar pelo Brasil:

Pode-se atravessar o Brasil, em todos os sentidos, quase sem risco, salvo nas regiões selvagens onde se açoitam as tribus decadentes dos últimos indígenas.
De quem a culpa, se num país onde o povo é dócil, hospitaleiro, humano, há, algumas vezes, dessas tragédias pelas estradas?
Quando penetra em lar estranho, o viajante deve respeito às tradições, aos costumes e mesmo às suscetibilidades tropicais de quem o hospeda (Rebeyrolles, 1980, v.1: 225).


A noção de Rebeyrolles sobre hospitalidade demonstra que ele detém uma visão interessante sobre a dimensão desse conceito em suas ramificações relacionadas ao equilíbrio do meio ambiente, pois questiona o incêndio das matas e a forma de uso da terra, que de terreno para cultivo se torna pasto para o gado. Com indignação, questiona fortemente o uso da terra:
De resto, para que servem as queimadas? Para que esses incêndios, sem dúvida muito pitorescos à noite, e que não deixam de constituir devastações monstruosas? Em nossos Pirineus franceses, assim faziam outrora os pastores do Béarn. Queimavam, no outono, vários tratos de floresta e asseguravam, para a primavera, excelentes pastagens. Mas, os cumes espoliados, recebia a planície as águas em torrentes, inundavam-se os campos e a própria montanha se esboroava entre as águas. O que lá não passava de um acidente severamente punido pela lei penal, aqui, para o lavrador brasileiro, é hábito constante, o uso, a regra (REBEYROLLES, 1980, v.1: 247)

Em uma de suas paradas de viagem, Rebeyrolles comenta sobre a busca de abrigo, após perigosa tempestade e a chegada diante de um hotel:
Noite, noite profunda, quando as mulas chegaram a Pedro do Rio, diante do hotel Meyer. Não se trata seguramente de um Louvre. Também não é um desses albergues sórdidos onde só há carne seca e feijão. A casa é nova, limpa e bem fornida. Pode-se jantar e dormir bem, dois prazeres de quem viaja duas graças do caminho que se encontram dificilmente entre Petrópolis e Barbacena (REBEYROLLES, 1980, v.1: 258).


Conclusão

O perfil crítico, militante em defesa da idéia Republicana de Charles Ribeyrolles, levou o fotografo Victor Frond a convidá-lo para vir ao Brasil a fim de colaborar na elaboração de um projeto ousado: a elaboração de um livro intitulado Brazil Pittoresco, descrevendo a história econômica, social e política brasileira. Caberia a Ribeyrolles dar a merecida contextualização às imagens captadas por Frond. Seria um trabalho inédito no campo fotográfico para a memória da história brasileira.
Entretanto, a obra de Ribeyrolles e Frond é grandiosa em sua totalidade, pois os autores se completam (imagem com o discurso) em um trabalho de inspiração antropológica e sociológica, o que os torna realizadores do primeiro livro de fotografia realizado na América Latina, bem como um marco para a primeira divulgação turística, utilizando a fotografia.
Com um discurso beirando ao ufanismo naturalizado, Riberolles dá destaque à característica de sua militância política, aconselhando o imperador a lidar com a mão-de-obra livre, resultante do processo de imigração estimulado pelo Estado imperial. O cronista entendia que, pela dimensão e riquezas existentes no Brasil, Portugal tenha pela frente “[...] essa empresa gigantesca da colonização de um mundo?” (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 189).
A beleza natural do Rio de Janeiro impressionou Ribeyrolles, fazendo com que exultasse suas formas geográficas como as mais “indolentes e fascinantes” para o visitante, afirmando que esse encantamento atingia todas as embarcações que dele se aproximassem. Em depoimento de exaltação ao período Imperial, porém em tom satírico comenta:
Estamos em frente ao Pão de Açúcar, e posto que já tivesse anoitecido, eu vislumbrava, em brumoso perfil, a algumas braças de mar, esse descomunal monólito pousado, como um gigante de atalaia, à entrada da baía. Ele está nu, de cor alvacenta e fulva, mordido de sol e vento. Não ostenta a mais pobre das coroas nem uma planta verde, uma simples flor no cimo (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 175; 6).


Outro momento característico da criticidade de Ribeyrolles consiste no comentário sobre os passeios oferecidos pela cidade do Rio de Janeiro, destacando alguns pontos turísticos:
Há ainda outros recantos deliciosos, porém bastante afastados, como as gargantas da Tijuca, onde a cascata murmura, Boa Viagem, em Niterói, o saco da Jurujuba, que abre, por um canal estreito, para um dos ninhos da baía; a ponta do caju, a Boa Vista, em S. Cristóvão, residência Imperial, e entre todos, o Jardim Botânico, fechado, ou melhor, perdido na lagoa de Rodrigo de Freitas, ao fundo de Botafogo. (RIBEYROLLES, 1980, v.1: 192; 93).


Ao se referir ao Jardim Botânico, faz uma crítica ao monarca D. João VI falecido em 1826, em tom de deboche, quando descreve a situação do local, como sendo “[...] o jardim das plantas, das bananeiras e das essências”, e completa a ironia:
Essa risonha metamorfose deve-se ao rei d. João VI. Se ele pouco se dava às idéias e às guerras, comprazia-se com as flores. Deus proteja e perfume a sua alma.
Nesse jardim, pobre em espécies, deficiente quanto à ciência se ostenta dupla colunata como jamais tiveram palácios e templos. É uma aldeia de palmeiras em dois renques.
[...] O Jardim Botânico do Rio devia ser, antes de tudo, brasileiro
(RIBEYROLLES, 1980, v.1: 193).


A contribuição que Charles Ribeyrolles traz à historiografia do turismo brasileiro é importante e demonstra o quanto os centros de estudos e investigadores necessitam-se voltar cada vez mais para a pesquisa nessa área. Um povo só é independente quando é dono de sua história, quando conhece suas raízes e sabe onde investigá-las, para isso, a pesquisa histórica do século XVI ao XIX se constitui em uma fonte inesgotável de dados (emoções).
E por que Ribeyrolles? Porque, era um militante político que defendia a República com a tonalidade ampla de criticidade inteligente. Por isso, capaz de nos dar uma noção crítica da hospitalidade praticada na época e sinalizar o turismo, num sistema Imperial, que apresentava um processo de contradição, pois a coexistência da mão escrava com a mão-de-obra livre pressionava os interesses de classe.
Por esses motivos, os relatos de viagem são fontes inesgotáveis de temas para pesquisas. Por viver um tempo no Brasil, a observação empírica do cronista mapeia sua descrição, com informações interessantes e detalhadas da vida da população, dos costumes dos hábitos, das festas, do cotidiano daquela época. Ao se deparar com o desconhecido, com o diferente, os viajantes se assustavam e, muitas vezes faziam análises rápidas e preconceituosas sobre o lugar e seu povo. Charles Ribeyrolles, como jornalista francês, não se absteve de participar do debate da mão-de-obra no Brasil e de propor seu projeto que solucionaria seus males. Marcado pelo racialismo, típico do século em que viveu, defendia a miscigenação apenas que resultasse no branqueamento. Dessa forma, então, o imigrante ideal seria o colono branco, europeu e se possível protestante, que seria o símbolo do labor e do progresso, já que via Portugal e a Igreja Católica como o atraso e a ociosidade.


BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA


LUKÁCS, Georg. 1972. El asalto a la razon: La trayectoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler. Barcelona e México, v. 3, D. F: Grijalbo.

GERBI, Antonello. O Novo Mundo: história de uma polêmica: 1750-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

História da vida privada no Brasil: Império / coordenador-geral da coleção Fernando A. Novais; organizador do volume, Luiz Felipe de Alencastro – São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

RIBEYROLLES, Charles. Brasil pitoresco: história, descrição, viagem, colonização, instituições. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

MINISTÉRIO DO TURISMO E SUA FESTA DE BABETTE


MINISTÉRIO DO TURISMO E SUA FESTA DE BABETTE


João dos Santos Filho

Não sei por que! Mas quando estava pensando na Política Nacional de Turismo, visualizei um banquete, onde a prática gastronômica explicitava inexistir a plena felicidade sem o pecado, que pode ser o da gula em razão da comida e do dinheiro pela existência das emendas parlamentares. O Ministério do Turismo seria madame Babette em seu banquete articulado por um maquiamento marqueteiro, buscando contrapor a noção do pecado com a idéia da felicidade.
O uso da estrutura administrativa e política do aparelho de Estado no extremo limite, entre o legal e o imoral levam a situações questionadas pela Controladoria Geral da União – CGU, que investiga o desvio de recursos destinados a municípios por meio de emendas parlamentares para patrocinar, eventos, feiras e exposições. Segundo dados publicados pela imprensa foram cerca de 1.500 atividades envolvidas ao turismo que receberam um total de 250 milhões de reais.
Esse dinheiro arrecadado por meio de emendas parlamentares, em que políticos estão fazendo a verdadeira festa com o dinheiro público, associados à ONGs segundo o Blog do Noblat em matéria veiculada em 19/04/2010 - Fraude com recurso para festas repete “sanguessuga”:
Entre as 50 ONGs que mais receberam dinheiro do Turismo para organizar festas entre 2007 e 2009, a Folha identificou que 26 têm relação direta com políticos e partidos. As entidades receberam R$ 53 milhões no período.
O Ministério do turismo foi criado em 2003 tendo como ministro o político Walfrido Mares Guia, que soube preparar a estrutura ministerial para conseguir a colaboração de deputados e senadores para gastarem suas emendas parlamentares em atividades supostamente turísticas, segundo a CGU podendo haver desvio de dinheiro que esta sendo investigado. Como também requereu a quebra de sigilos bancário e fiscal de agentes públicos e dirigentes do Ministerio de Turismo.
Na verdade o CGU suspeita que prefeitos e ONGs e parlamentares tenham utilizado de notas fiscais frias para sustificar o evento, ou que essas atividades tenham sofrido superfaturamento. Uma coisa é certa existe, algum esquema facilitador para que o Ministerio seja objeto de uma quantidade elevada de emendas parlamentares, associado a prefeituras para o recebimento de verbas para o turismo.
Esse processo já denunciado pela emprensa, de ser investigado, e para apimentar ainda mais esse fato pedimos ao CGU que investigue:
A) No periodo que o ministro Walfrido Mares Guia esteve a frente do Ministerio de turismo, verificar como foi a distribuição de verbas por Estado, parece que teriamos grandes supresas;
B) Analisar cada evento que recebeu verba e sua ligação com parentes de politicos;

Como podemos ter uma Política Nacional de Turismo, voltada para o turismo interno, se os aportes financeiros são direcionados segundo decisões políticas e politiqueiras?
Por isso, nunca se contratou tanto show de duplas sertanejas de artistas conhecidos e desconhecidos; nunca se deu tanta verba para a construção de portais turísticos que nada significam e não leva a lugar nenhum; rodeios sem qualquer valor cultural e econômico inventados por filhos de políticos.
Será que esses parlamentares e o Ministério de turismo assistiram ao filme: A festa de Babette?

quarta-feira, 31 de março de 2010

QUEM COMANDA OS GORILAS?


QUEM COMANDA OS GORILAS?

João dos Santos Filho

O professor se constitui em uma classe profissional que trabalha em prol da formação educacional e informação para a vida, com isso, a sociedade os coloca como uns dos elementos mais importantes para a instrumentalização de um processo de socialização dialética na formação do caráter e personalidade do homo Faber Brasilis. A responsabilidade na formação de gerações faz este educador ter um papel de destaque no seio da sociedade. Atividades isoladas e coletivas não param de elogiar sua nobre função, e no dia do professor homenagens são ritualizadas pela escola e pelo Estado, todos reconhecem seu valor na sociedade como fundamentais.
Mas o Estado neoliberal transforma a ação do professor em uma mera mercadoria sem valor, em que se prioriza o valor de uso e, menospreza o valor de troca. Colocando a sua função num patamar idealista e metafísico como decorrente de um sacerdócio, em que o dom de educar e mais gratificante do que a luta por melhores meios e salários dignos. Como se a luta por melhores salários fosse articulação de movimentos políticos partidários, que buscam desestabilizar a candidatura do PSDB na corrida a presidência da República.
De um lado as escolas públicas massacradas, por uma infra-estrutura sucateada, sem laboratórios, sem quadras poliesportiva, com banheiros que mais parecem chiqueiros, faltam professores e funcionários, pessoal de apoio (psicólogos e fonoaudiólogos). Vulnerável no campo da segurança, professores que são afastados por sofrerem ameaças de agressão física por alunos e bandidos da região, que comandam o cotidiano da localidade configurando um poder paralelo a sociedade.
Do outro, os comerciantes e mercenários da educação privada que utilizam da prática da repressão física e mental para com o professor ameaçando-o com demissão para qualquer atitude de rebeldia a ordem estabelecida. São obrigados a assistir aulas de auto-ajuda, como forma de aprimorar o seu convencimento enquanto professor apimentando-o com técnicas que levem o aluno ser um empreendedor combativo no mercado e parcimonioso em suas reflexões críticas.
Como o entendimento do Estado no campo da educação não é por uma educação crítica e combativa numa perspectiva histórica de mudança social, política e econômica, mas sim, pela manutenção do status quo. O mesmo mantém o piso do professor achatado em todas as esferas, deixando que o mercado determine o valor salarial segundo interesses dos empresários da educação, que se guiam pelo equilíbrio do desequilibrado mercado industrial de reserva, garantido assim a extração máxima da mais valia nos salários.
Diante dessas questões em que educação e política não se misturam, como se o ato de educar não fosse decorrente de uma política educacional determinada pelo Estado. O governo do Estado de São Paulo utiliza de seu arcabouço policial repressor - serviço reservado (ou secreto) da Polícia Militar paulista os famosos P2. Para massacrar o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - APEOESP, acusando de partidários do PT que querem derrubar o governador Serra.
O cômico para não dizer trágico é que antes os professores eram acusados de comunistas que queriam desestabilizar os golpistas de 1964, hoje são os Lulistas e petistas que querem destruir o governo tucano paulista. Na verdade essa direita tem saudades do tempo da Ditadura e não admite que os professores lutem em seu sindicato por melhores condições de trabalho, remuneração e pela liberdade de pensamento.
Com isso indagamos quem comanda esses gorilas? É o governo do Estado de São Paulo que usa a policia militar para bater e prender professores, por isso leitor lembre-se que o presente repete um passado recente, em que os gorilas se alimentavam de estudantes e professores nos porões da Ditadura Militar.

quarta-feira, 17 de março de 2010

TESES DECADENTES REAFIRMAM A LÓGICA DO TURISMO ELITISTA

TESES DECADENTES REAFIRMAM A LÓGICA DO TURISMO ELITISTA

João dos Santos Filho

O processo histórico envolve todo e qualquer fato social e, portanto, deve ser o suporte que calibra a formatação dos instrumentos de racionalidade do pensamento científico, isso porque, ele tem um percurso histórico de nascimento, adaptações e ajustamentos presentes em sua processabilidade dialética, com isso, não acreditamos no acaso e no estudo isolado do fenômeno ou do seu aparecimento repentino. Para tudo existe uma lógica histórica explicativa, produto da luta de classes, pois é esta que movimenta a sociedade no campo cultural, econômico, ideológico e produz uma estratificação social especifica.
Diante desta formulação de princípios destacamos que a realidade é entendida segundo nossos interesses econômicos ou de classe, afetando diretamente a elaboração das Políticas Públicas. Nesse caso, nos referimos como o Estado esboça e encaminha os traços iniciais de uma Política Nacional de Turismo com base na tradição patriarcal e elitista brasileira. Pois desde a fundação do Touring Club do Brasil em 1923, este começou a desenvolver a criação de cruzeiros turísticos para uma elite nacional e estrangeira pela Amazônia, ávida por conhecer seu país e fazê-lo conhecido pelos estrangeiros.
Iniciam-se assim uma proposta de um turismo dirigido as elites, pois no começo era uma burguesia endinheirada que já cultivava o gosto por um turismo exótico e até onde seu dinheiro permitisse a exclusividade. Pois o turismo de massa vinha engatinhando segundo as conquistas econômicas e sociais das classes trabalhadoras pelo desenvolvimento industrial, no Brasil por ocasião do centenário da Independência, surgem os primeiros grandes hotéis do Rio de Janeiro, e São Paulo o Turismo de Águas Termais combinado com o aparecimento dos grandes cassinos.
Em 1939 o Estado getulista cria dentro da Divisão de Imprensa e Propaganda –
DIP a Divisão de Turismo, o que demonstra que o fenômeno do turismo serviu como instrumento ideológico para manter o controle das classes populares e determinar o uso do seu tempo livre segundo interesse da classe dominante. Com isso, podemos afirmar que o turismo foi gestado dentro de princípios dos lazeres burgueses e permanece com esse perfil classista.
A Política Nacional de Turismo aprimorou ainda mais essa atuação elitista, pois apesar de existir a EMBRATUR como órgão responsável pela divulgação do turismo brasileiro no exterior. E o Ministério do Turismo como instrumento ordenador da política nacional de turismo, na prática todo peso do esforço no campo do turismo pelo Estado é voltado para o turista estrangeiro.
Em primeiro lugar podemos afirmar que uma pequena parte do trade de turismo, e por sinal aquela que administra os grandes empreendimentos no campo da hotelaria, gastronomia, entretenimento e transporte detém a hegemonia política das decisões de como deve ser encaminhada a Política Nacional de Turismo. Esse monopólio de poder traduz que os interesses de uma proposta de turismo esta voltada para o turista estrangeiro, pois é este que interessa as grandes corporações da “indústria do turismo”.
A tese de que o turista estrangeiro deve ser o timoneiro da Política Nacional do Turismo e que os recursos destinados a essa atividade devem ser alocados para melhorar a infra-estrutura de sua hospitalidade. Para poder estender sua permanência em território nacional e com isso aumentar seus gastos.
O que me desagrada nessa tese é seu princípio elitista de ver o turismo, bem como, torna o turista estrangeiro uma mercadoria a ser consumida. Não havendo nenhuma preocupação com o impacto cultural e econômico que o mesmo produz na sociedade local e nacional, e como isso acaba afetando o desconsiderado turista nacional. Que muitas vezes fica na fila de espera, aguardando um restaurante, uma hospedagem, até que o turista estrangeiro desocupe um desses equipamentos, ou ainda constatar que o hotel, o passeio programado, o restaurante da moda tem preferência pelo estrangeiro.
O crédito que o Estado destinou ao turismo por meio da Caixa Econômica Federal favoreceu em sua maioria ao mega investidor da área, desde as grandes redes hoteleiras até agencias de turismo, mas tudo parece volatilizar-se, pois não existe um Plano Nacional de Turismo pensado a um planejamento global, em que organize racionalmente a aplicação dos recursos financeiros. O que há, é um imenso jogo político de interesses pessoais, em que vence aquele que detém mais quantidade de capital e obviamente possui um equipamento de turismo de ponta.
Temos a destacar que as dotações financeiras destinadas ao turismo pelo Estado independente de serem ainda modestas em comparação a outras atividades econômicas, são despossuídas de qualquer direcionamento planejado, isto é, seu uso é aleatório atendendo a interesses particulares e políticos.
Existe outra tese, que faz da estrutura administrativa estatal promiscua, pois cultua uma política baseada em favores das emendas parlamentares consignadas por ações eleitoreiras e paroquiais, acobertadas por práticas ditas “legais”, em que o Ministério do Turismo coordena e incentiva políticos a incluir pedidos de verbas para o turismo junto ao orçamento da união. Esse procedimento favorece uma política patriarcal e de compadrinho muito a agosto da tradição histórica brasileira, completamente estapafúrdia.
Essa prática defendida pelos responsáveis do turismo transformou o Ministério do Turismo em um local em que os acordos, arranjos e decisões obedecem ao gosto do parlamentar que solicita verbas para festas pessoais, portais de turismo que não levam a nada, verdadeiros elefantes brancos. Uma vergonha para o povo brasileiro e um incentivo a corrupção em que o Estado via Ministério do turismo acaba sendo cúmplice.
Leitor veja, o Ministério do turismo conseguiu por meio da prática lobista, junto aos deputados carrear para o turismo as emendas parlamentares. Isso tornou o Ministério do turismo em um grande empresário de duplas sertanejas, cantores desconhecidos, mas amigos de deputados. Festas inventadas e religiosas, feiras sem qualquer valor econômico.
Esse processo estanca qualquer possibilidade de elaboração de um Plano Nacional de Turismo articulado a uma proposta de desenvolvimento econômico, pois quem manda é o interesse político de cada deputado em comum acerto com a pasta do turismo, que para conseguir verbas para o turismo não se preocupa com a ética política. Mas, que turismo!!!!!!!!!!!!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

TORTURA NUNCA MAIS: A HISTÓRIA OFICIAL NÃO PODE VENCER A HISTÓRIA REAL

TORTURA NUNCA MAIS: A HISTÓRIA OFICIAL NÃO PODE VENCER A HISTÓRIA REAL
João dos Santos Filho

Confesso ser esta uma temática a qual descrevo com um prazer de intelectual militante da época de 1970, e saudosista do movimento estudantil no tempo da clandestinidade, que lutava contra o golpe e a favor da identificação e julgamento daqueles que utilizavam da tortura, seqüestro e do assassinato como forma de conter as lideranças democráticas sindicais, estudantis, intelectuais, religiosas e políticas. Buscando meios para se opor aos desejos irracionais de um modelo econômico subordinado a um comando de guerra coordenado pelo Capital, chamado Operação Condor contra todos aqueles que ousavam discordar das ditaduras implantadas no continente Latino.
Confesso que por ser marxista desde o segundo grau, me aproximei de professores que me encaminharam para a leitura da dialética histórica, apreendendo desde cedo o disfarce para ler o Manifesto Comunista encapado em papel de pão. Ter recebido aulas de Ciência Política por meio da leitura de dramáticos romances da literatura latina americana, pois os clássicos da teoria política eram proibidos, como também, fui salvo de ser preso por um delegado maçom da Policia Federal do Aeroporto de Congonhas, em vôo vindo de Buenos Aires por trazer na bagagem livros de Karl Marx e Engels.
Confesso ter vivido um dos melhores períodos de minha vida, como estudante e
amigo dos professores Florestan Fernandes, Octávio Ianni, por ter a sorte de ser vizinho de quarteirão desses intelectuais. Reafirmo que minha atitude política sempre foi de crítica ao golpe militar de 1964 e por ter presenciados fatos que ocorreram no interior da PUC/SP. Éramos estudantes de Ciências Sociais no começo dos anos 70 e tivemos professores que foram retirados pelo DOPS da sala de aula e estão sumidos até hoje. Assistimos a defesas de tese no teatro Tuquinha em que foi invadida pela policia militar e pelo DOPS. Convivemos com os discursos contundentes da madre católica Cristina a psicóloga das Sedes Sapientiae militante implacável contra a ditadura militar.
Confesso que foi um período que havia necessidade de permanecer na clandestinidade, pois era a forma de salvar e resguardar nossas vidas, “contra a idéia da força usávamos a força das idéias”. Estudar Marx era e continua sendo uma necessidade prioritária, para enfrentarmos à repressão, alimento que nos dava força para visualizar uma saída no fim do túnel.
Como marxistas permanecemos mais convictos em seus princípios ontológicos e entendemos que o filosofo húngaro Georg Lukács faz uma leitura da obra de Marx que permite desestalinizar a compreensão do marxismo, desarmando a esquerda stalinista - mecanicista e vulgarizando o seu discurso de senso comum e acusativo da direita com fortes traços de neofobia.
Entendemos que a sociabilidade de um grupo social se planifique pelos níveis de tolerância que ela consegue ministrar na leitura dos fatos sociais, em especial no jogo da luta de classe. O equilíbrio de uma sociedade se mede pelos graus de tolerância política, econômica e social que a mesma apresenta, quando essa normalidade histórica é quebrada é porque uma classe quer impor de forma autoritária sua visão de mundo ao resto da sociedade.
Quando isso ocorre chamamos de ditadura, implanta-se um Estado fascista em que as armas de guerra são colocadas para garantir um novo ciclo de acúmulo de capital material e espiritual. Esse processo na América Latina ocorreu como expressão máxima de agressividade aos direitos humanos, em que torturados civis e militares nacionais e estrangeiros praticaram uma série de atrocidades.
Julgar esses algozes ensinados pelos mentores da Escola Superior de Guerra é dever do Estado brasileiro, colocar a verdadeira história em oposição à história oficial. A direita tenta justificar o injustificável, inventou até um pseudo-intelectual que afirma que o processo pelo que o Brasil passou deveria chamar-se a “Dita branda”, pois seria um erro condenar os militares. E parece que assim pensam desde o começo, pois todos os torturadores foram condecorados com medalhas de bravura e subiram na hierarquia militar.
Por isso leitor lutar pelo julgamento e condenação dos torturadores é um dever humanitário e histórico para as futuras gerações de brasileiros.