domingo, 21 de junho de 2009

EMPREENDETUR E A LÓGICA DO EMPRESARIAMENTO DA MÁQUINA ESTATAL: USOS E ABUSOS DO “BEM PÚBLICO”

EMPREENDETUR E A LÓGICA DO EMPRESARIAMENTO DA MÁQUINA ESTATAL: USOS E ABUSOS DO “BEM PÚBLICO”


SANTOS FILHO, João dos. Bacharel em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano (UNIBERO) e Bacharel em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC). Mestre em Educação: História e Filosofia da Educação pela PUC/SP. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
joaofilho@onda.com.br

MARTONI, Rodrigo Meira. Bacharel em Turismo pela Faculdade Nobel e Mestre em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). rodrigomeira@pop.com.br

TABET GOMES, Luis Carlos. Bacharel em Turismo pela universidade Anhembi Morumbi, funcionário da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo.


El prototipo de la modernidad, el profesional internacional en ascenso que posee gran movilidad, lo privatiza todo: antiguos cementerios, tierras de pastos, haciendas y bosques comunales; instrumentaliza a todo el mundo: los pequeños propietarios agrícolas se convierten en jornaleros de explotaciones agrarias para la exportación, las comunidades sociales autónomos se convierten en apéndices de los organismos estatales; y el Estado mixtifica todo tipo de relaciones de poder y de autoincremento en nombre de una deidad imparcial y omnisciente denominada el Mercado (PETRAS, s/d, p. 25).

O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa. Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal. A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então consideradas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Fez do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta e do sábio seus servidores assalariados. A burguesia rasgou o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família e reduziu-as a simples relações monetárias (MARX, 1987, p. 78 e 79).


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Uma das funções do intelectual é desvendar os fenômenos sociais na tentativa de explicar e entender a realidade em suas várias facetas, informando à sociedade civil os diversos caminhos que ela pode seguir e esclarecer os equívocos que a mesma pode enfrentar no transcurso do motor da história. Na sucessão de fatos desse percurso, os aspectos da sociedade são influenciados e modificados pelo homem, ao mesmo tempo em que ele é transformado pelo meio. Essa relação dialética só pode ser explicada quando são analisadas as causas históricas que determinam os acontecimentos, uma vez que a história não é feita somente de situações e de ocorrências descontextualizadas, mas de projetos que se baseiam em idéias, sendo a história o fruto do movimento teleológico.

Na atual conjuntura socioeconômica, as vertentes neoliberais, que pregam o equilíbrio e harmonia da sociedade, bem como a sua desregulamentação, acabam promovendo a multiplicação da riqueza privada ao mesmo tempo em que diminuem as oportunidades sociais do povo brasileiro (ANTUNES, 2004). Isso ocorre na medida em que os discursos voltados à politização e participação ativa da população no processo de acontecimentos do Estado são substituídos pelas idéias centradas no “eu” e na capacidade empreendedora. Assim, o discurso legitimado pela lógica do capital no atual modo de produção é anti-histórico, uma vez que nega a luta de classes.

Fazendo parte dessa alocução estão as propostas do Empreendetur, idealizado pela Associação de Bacharéis em Turismo (ABBTUR) com apoio do Ministério do Turismo (Mtur) e lançado nacionalmente no dia 17 de agosto de 2005. Neste programa, teceremos algumas considerações sobre os objetivos e justificativas do mesmo no contexto atual, seu comprometimento com o desenvolvimento turístico nacional e com os turismólogos. Salientamos que não temos a intenção de desqualificar ou criticar o programa, mas sim, realizar uma abordagem sobre seus limites e alertar que o mesmo pode ocultar as causas reais do surgimento da questão da empregabilidade e empreendedorismo.





1. TESES CENTRAIS DA ECONOMIA NEOLIBERAL E DO TURISMO


A política econômica cosmopolita imposta pela mundialização do capital se manifesta nos países considerados emergentes dentro de uma organização quase sempre de perfil autoritário, no qual prevalece à vontade daqueles que detêm os mecanismos dos meios de produção para ampliação da mais-valia. Os interesses são sempre alheios e opostos aos nacionais, sendo que há um controle pré-determinado pelo Estado ao movimento da classe trabalhadora, pois a lógica imposta pelo capital determina os princípios da política Neoliberal. Em sua saga destrutiva, luta contra tudo que é público, cultivando assim a ideologia privatista.

Fica reservado ao Estado o papel de orientador e disciplinador dos elementos da economia em sua livre concorrência e nunca de atuação direta no mercado. Nesse sentido, a política neoliberal declara que a sociedade, para funcionar, deve delegar ao privado o gerenciamento do espaço público. Para que essa política ganhe espaço e acelere a expansão do capital, a ideologia expressa pelo grupo hegemônico inculca a idéia de que a esfera pública é deficiente, atrasada e naturalmente corrupta. Esses fatos colaboram para que ocorra um descrédito quanto à atuação do Estado em diversos campos do mercado: educação, saúde, desenvolvimento básico, alimentação, turismo, recursos minerais e a própria tecnologia de ponta.

Na história brasileira o “Estado do Bem Estar Social” esteve sempre presente e deu suporte as plataformas de governos populistas e desenvolvimentistas liderados por Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio da Silva Quadros até o golpe militar contra o presidente João Goulart. O período de 1930 a 1964 foi se cristalizando com uma política de atendimento às propostas das classes populares, formatando um Estado voltado aos interesses da classe trabalhadora que já sinalizava a potencialidade de poder vir a governar o Brasil. É nesse período que o Estado de tendência nacionalista cria as empresas estatais como forma de alavancar o desenvolvimento próprio e autóctone, desenvolvendo as bases de um “Estado do Bem Estar Social” forte e de amparo aos trabalhadores.

Nesse contexto, o turismo e lazer surgem como instrumentos de desenvolvimento e salvação econômica, sinalizado pelo Estado com a criação de uma infra-estrutura para colônias de férias direcionadas às classes trabalhadoras e outros extratos sociais. É o SESC e o SENAC que despontam como uma ampliação em âmbito federal da proposta do governo do Estado de São Paulo em viabilizar viagens através de hospedagens acessíveis.

As políticas para um turismo social surgiram como uma contra regra, uma vez que, desde que o turismo despontou e se massificou na sociedade capitalista, inúmeras atividades eram consideradas exclusivas de uma elite com grande capacidade de compra, conforme colocações de Marc Boyer (2003 p. 19):

O passado elitista nos dá frequentemente o cenário do turismo de massa. A hierarquia das reputações, ao menos na Europa, estabeleceu-se, essencialmente, na época romântica, quando nasceram as grandes coleções de Guias de Viagem: o Murray inglês, o Baedeker alemão e o Joanne francês. Os lugares mais prestigiosos de hoje foram inventados, em uma época em que somente as pessoas de alta renda - ou quase - eram turistas.

A popularização e massificação do turismo vai se constituir em um fato primordial para que o capital avance e amplie sua mundialização vertical e horizontal, tornando essa atividade prioritária nas economias centrais e periféricas, uma vez que a burguesia necessitava e necessita explicitar sua ideologia de estilo de vida. Segundo Ycarim Barbosa (2002, p. 54), no século XIX, Thomas Cook já relatava as vantagens do trem como forma de viabilizar viagens às classes populares:

Para CooK, o trem permitiria a realização de viagens para milhares de pessoas, acrescentando ainda que era uma forma de influenciar a convivência de diferentes tipos de classes sociais, pois podia transportar todo tipo de gente. Cook talvez tivesse sido o único a defender vantagens para a classe trabalhadora.


O turismo evoluiu com opções direcionadas à massa e a elite, sendo compreendido por governantes, empresários e até estudiosos do fenômeno somente como uma atividade econômica. No neoliberalismo, o turismo ganha status de política de Estado imposta pela força de ampliação da mais-valia que o mesmo possui, adotando ações para que a sociedade utilize medidas de agilidade ao tempo livre no campo do lazer e do turismo. Nesse sentido, os Estados adotam medidas para facilitar o deslocamento de pessoas, como a eliminação das tarifas alfandegárias e a desburocratização fiscal para facilitar a circulação de mercadorias e pessoas entre nações.

Em face às questões relacionadas a sua expansão, como lucratividade em curto prazo, o turismo ganha apelos de base metafísica em que o emocional fetichista se torna o explicativo da realidade social. Esta manifestação é traduzida pela atividade que faz uso de um discurso existencialista: o turismo - bandeira da paz; turismo - união entre os povos; turismo - a harmonia entre os povos; turismo como atividade não poluidora e sustentável. Esses adjetivos demonstram que o turismo é entendido como atividade econômica salvadora para a chamada “crise de ajuste” dos mecanismos existentes para extrair mais amplamente a mais valia. Torna-se assim, um elemento do fetiche, pois surge como salvador dos sistemas econômicos e da multiplicação dos empregos ou, como se usa atualmente, da empregabilidade.

Esse é o motivo pelo qual o turismo ganha, no sistema capitalista e socialista, uma dimensão de importância econômica distinta e principal como campo de conhecimento. Considerado como gerador de riquezas, é capaz de transformar a sociedade ampliando oportunidades com base na criação de negócios. Estes, por sua vez, devem ser efetivados pela capacidade empreendedora que existe em cada um dos estudantes. Nesse contexto, as instituições de ensino utilizam-se das palestras de auto-ajuda e cultivam o apelo emocional dado pela força do poder econômico.

A propaganda envolvente e subliminar trabalha com o simbolismo da facilidade de se obter recursos financeiros via cartão de credito, veiculando “vantagens” pela televisão ou por lindas agentes que visitam os pátios das faculdades e universidades. O discurso comum é sobre os benefícios de tê-los, induzindo e até coagindo, em alguns momentos, para que estudantes caiam na armadilha dos grupos financeiros que não medem esforços para ampliar seus clientes.

Acompanhando esse processo de emulação muito bem arquitetado pela ideologia neoliberal, os empresários da educação de centros universitários e faculdades, enxergam que a possibilidade de combater a concorrência e o desinteresse dos alunos durante sua permanência na instituição se dá por meio das palestras de auto-ajuda. Com isso, tentam driblar o “baixo” fluxo de ingresso de estudantes, bem como o alto nível de inadimplência, apesar do PROUNI garantir, na maioria dos casos, a sua manutenção financeira.

Todo esse processo desvia a centralidade do problema inocentando a crise econômica e a recessão presente no interior da política econômica adotada pelo Estado. Este, por meio de alguns representantes políticos e corporações aliadas, culpam os indivíduos julgando-os incompetentes, como um comportamento adquirido e muitas vezes tido como produto de bases genéticas. O motivo central pela falta de sucesso, no que se refere a sua empregabilidade, é a falta de competência. Esse entendimento da “culpabilidade de ser um desempregado” afasta a existência de barreiras e dificuldades do meio, localizando os problemas no interior das pessoas.

Construir ideologicamente junto aos indivíduos que o sucesso profissional depende, não do crescimento da economia e muito menos da política econômica adotada pelo governo, mas sim, do espírito empreendedor presente em de cada um de nós, não leva em consideração o fato de que alguns acontecimentos relacionados à vida das pessoas ocorrem sem que elas possam determiná-los.

Esse modismo se infiltra no interior das sociedades como a grande saída para a “crise” das políticas econômicas: o “bom” do capitalismo é ser dono dos seus próprios meios de produção”, por isso o incentivo aos pequenos empreendedores. O processo é veiculado como possível, bastando ter força de vontade e ignorando a crise econômica, o papel dos trustes na economia, o lobby financeiro e econômico, a concorrência de mercado e os juros dos empréstimos bancários.


1.1. EMPREENDEDORISMO: NASCIMENTO, CRESCIMENTO E DESVIO.


A atividade empreendedora surge em decorrência da explicitação das características que compõem o complexo movente e movido do capital, manifestando-se historicamente via diferentes modos de produção, dentre eles o feudalismo, capitalismo e o socialismo. Ganham uma importância ímpar com o desenvolvimento do neoliberalismo e a expansão do processo de globalização.

A noção de empreender surge no bojo do desenvolvimento do capital com diferentes entendimentos segundo o desenvolvimento das relações de produção de cada país. Academicamente o processo se repete junto ao conjunto das ciências que estudam a realidade como a Psicologia, História, Sociologia, Antropologia, Política, Administração e Economia, pois cada uma delas conceitua o empreendedorismo em perspectivas diferentes. Mas foi o economista Joseph Alois Schumpeter que, com suas reflexões, trouxe a dimensão humana para os estudos econômicos, quando trabalhou a figura do empreendedor como produto da relação entre as partes.

No Brasil, os estudos sobre empreendedorismo contam com a participação do IBQP - Instituto Brasileiro de apoio às Micros e Pequenas Empresas e o SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. O Estado brasileiro aparece com uma das maiores taxas de empreendedorismo mundiais. Analisando aparentemente, o fato pode parecer positivo, mas, na verdade, reflete um processo de negatividade, pois a influência de se tornar um empreendedor é dada pela pressão do mercado que é impotente na referência da empregabilidade. Portanto, o crescimento da atividade empreendedora se deve ao desemprego crônico e a política recessiva imposta pelo Estado brasileiro.

Nesse sentido, o modismo do empreendedorismo no Brasil e países Latino-americanos esta marcado pela lógica do insucesso e pelo desvio barato do pragmatismo utilitário daqueles que são movidos pelo interesse do lucro fácil, pois o mesmo não é produto de uma economia dinâmica e em desenvolvimento, mas sim, do seu inverso. Por esse motivo compreendemos que o esforço do Estado e da iniciativa privada para que alunos da graduação em turismo se tornem empreendedores, é inconseqüente, vulgar e, por que não dizer, mal intencionada.

Induzir acadêmicos a se tornarem empreendedores, oferecendo empréstimos a juros “especiais”, é resultado de uma irresponsabilidade assaz preocupante, pois lhe é subtraído alguns fatos da realidade econômica e política como: os juros altíssimos que gravitam em torno da economia brasileira; o processo recessivo que inibi e acaba contraindo ainda mais o desenvolvimento econômico; e a desnacionalização da economia. Assim, é o entendimento empirista que traduz a compreensão do empreendedorismo.

As concepções simplistas e lineares sobre o que é ser empreendedor levam instituições educacionais e curiosos do turismo a interferirem na qualidade dos cursos tornando-os mais práticos e desqualificados de qualquer proposta pedagógica. Para isso, as empresas de educação demitem professores titulados, introduzem as disciplinas de empreendedorismo com a recomendação de que o professor seja um empreendedor, contratam políticos sem formação na área para ministrar disciplinas específicas e para assessorar programas duvidosos, subtrai os valores da hora aula e desencadeiam um processo de perseguição e de patrulhamento ideológico junto a docentes e discente.

É justamente nessa conjuntura que surgem programas milagrosos com propostas de fundo existencialista, em que a base de sua configuração se manifesta por meio de políticas econômicas que se sustentam por um discurso que não retrata a realidade em sua totalidade:

Se analisássemos bem as constantes teóricas(sic) dos grupos dirigentes políticos, militares e econômicos de nosso tempo, descobriríamos que elas – consciente ou inconscientemente – são determinadas por métodos de pensamento neopositivistas. Deriva disso a onipotência quase ilimitada desses métodos; e, quando o confronto com a realidade tiver conduzido à crise aberta, essa situação produzirá grandes abalos a partir da vida político-econômica até a filosofia no sentido mais amplo do termo. Mas, já que estamos apenas no início de tal processo é suficiente aqui a sua simples menção (LUKÁCS, 1978, p.02).


2. EMPREENDETUR: ABORDAGENS LINEARES, PROPOSTAS INCOSEQUENTES.


Entre os programas existentes com as características apontadas anteriormente destacamos o Empreendetur, idealizado pela Associação de Bacharéis em Turismo (ABBTUR). Constitui-se em um exemplo do irracionalismo do pensamento burguês, pois caminha num mundo de puro fetichismo, negando as contradições da realidade e se opondo ao movimento dialético da história. Esse processo de alienação atinge todas as etapas do pensamento da classe dominante, sendo o ápice da separação entre a realidade e o pensamento.

Nesse sentido, os elaboradores do programa, quando criticados, se defendem argumentando que a realidade deve ser trabalhada no conjunto do mundo privado que governa os sistemas econômicos “sustentáveis”. Salientam que a saída para a inoperância da atividade pública se deve ao despertar do espírito empreendedor que existe em cada um de nós. Ressaltam ainda que as críticas ao programa é resultado de análises de viés ideológico.

Essa questão se fundamenta no principio puritano, irracional e pedagogicamente errôneo de que toda e qualquer crítica ao Empreendetur passa por ser ideológica. É um equivoco daqueles que, para se defender, passam a atacar pessoas e grupos carimbando-os como portadores de ideologias diferentes e, portanto, resumindo-se a questões partidárias. Esquecem que as ações e acusações são desmascaradas pelo entendimento epistemológico da realidade e das capas irracionais que o pensamento burguês tem na tentativa de [...] “criar uma nova ideologia supracientífica ou anticientífica, graças à intuição, novo instrumento do conhecimento” (LUKÁCS, 1979. p.54).

Essa questão vai ao encontro do rol das intenções do pensamento neoliberal, lideradas pelo intento de despolitizar toda e qualquer tese, como se existisse uma ideologia neutra que pairasse acima da direita e da esquerda. É como se fosse possível atuar na realidade independentemente das questões objetivas e subjetivas que norteiam o entendimento do objeto; é como se tudo estivesse a serviço dos mais competentes e daqueles que acreditam em sua capacidade empreendedora.

O perigo desse entendimento localiza-se na negação da luta de classes e na despolitização que esse processo gera no interior da sociedade, tornando alguns centros educacionais em meros reprodutores da ideologia neoliberal. Nesse contexto, ressaltamos a importância da regulamentação, uma vez que o processo político é inerente à academia e nós, turismólogos necessitamos estar integrado junto ao sindicato representativo da categoria.

O Empreendetur vai na contra mão dessa luta, encabeçada por estudiosos, críticos e defensores de seus direitos, uma vez que abre a possibilidade de participação a qualquer profissional, como se não fosse necessária a atuação de turismólogos para o desenvolvimento turístico do país. Em profissões como o jornalismo ou o direito, um programa especifico das respectivas áreas de formação que fosse proposto pela associação a outros profissionais, seria considerado sem cabimento. Por esse motivo os acadêmicos de turismo não podem aceitar que um programa com esta proposta parta da associação que os representa.


2.1. OS OBJETIVOS E AS JUSTIFICATIVAS DESCONTEXTUALIZADAS DO PROGRAMA


Conforme os aspectos estruturais de cada Estado, as questões de natureza social, cultural, política e econômica interferem na vida de cada membro da sociedade, com certa independência da capacidade e determinação de cada um. Assim, a análise do real e sua superação é a premissa básica para modificar uma ordem estabelecida de coisas.

Nesse sentido, ressaltamos a importância do processo de formação universitária que, logicamente, não deve estar orientado somente para o mercado, mas, fundamentalmente, para uma participação crítica e ativa do indivíduo na sociedade. Para Barreto (2004, p.73), a lógica da formação deve ter como base “conhecimentos, capacidades e habilidades para possibilitar a atuação do sujeito na realidade imediata [...] não objetivando somente um projeto de adaptação a esta”. No caso especifico do Turismo no Brasil, modelos devem ser ultrapassados e, para isso, é necessário formar pensadores.

Definitivamente esta não é a proposta do Empreendetur. Seu objetivo geral demonstra sua vertente neoliberal, ou seja, centrada na idéia da participação mínima do Estado na evolução turística do país:

“Aumentar a inserção dos jovens estudantes, empreendedores e bacharéis de turismo no processo de transformação das vocações turísticas do Brasil, para torná-las fonte permanente de riqueza, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida para os brasileiros, atingindo toda a cadeia produtiva de viagens e turismo” (http://www.empreendetur.com.br).


Associada ao objetivo, a justificativa apresentada é de que as diversas potencialidades turísticas brasileiras não são aproveitadas, sendo os empreendedores a alternativa para, através de seus “negócios”, consolidar regiões estratégicas. Diante dessa questão salientamos para o fato de que o comprometimento de empresas sejam elas turísticas ou não, não é com a sociedade de um modo geral, mas com o capital que garantirá sua permanência no mercado.

Assim, não ressaltando a importância de políticas públicas, contribui de maneira inversa ao que propõe: os interesses individuais de empreendedores muitas vezes não estão de acordo com as necessidades da coletividade, sendo que a ausência de políticas para direcionar o capital pode inviabilizar o desenvolvimento sadio de uma destinação. São exemplos concretos Cancun no México, e Sauipe na Bahia, tanto pela apartheid da população nativa como pela efetivação de lugares desprovidos de significado no que diz respeito à cultura e história.

Em consonância com o objetivo e justificativas, o programa apresenta como metas: a inserção de 550 profissionais no mercado de trabalho; criação de 330 empreendimentos e/ou micro pequenas empresas; geração de 1200 empregos nas MPE´s; e subsídios de financiamento. É necessário contextualizar suas metas com a realidade econômica brasileira: segundo dados do IBGE, em 2000, para cada 10 empresas que foram abertas, 6,64 fecharam as portas (http://www.ibge.gov.br/, 2006). Fator predominante: apesar da viabilização de financiamento sem transtornos burocráticos, diversas empresas não contam com capital de giro, ficando, após o inicio das atividades, dependentes dos altos juros praticados pelos bancos.

Nesse sentido, não é o empreendedorismo, mas o Estado quem deve fornecer as bases para que micro e pequenas empresas contribuam com a economia, viabilizando não só o início das atividades, mas a ininterrupção destas. Ao não abordar a importância do papel do Estado, tanto para orientar o capital em prol das necessidades regionais, como para viabilizar a continuidade de uma empresa na conjuntura econômica da atualidade, o programa mostra seu caráter linear e fantasioso. Por este motivo, buscaremos os resultados sobre os empreendimentos efetivados e a permanência destes no mercado.


2.2. QUEM É O EMPREENDEDOR QUE O EMPREENDETUR BUSCA?


Inicialmente, no formulário de adesão, são dadas as explicações, diretrizes e regras gerais do programa. Ao inscrito, sejam estudantes, associados da ABBTUR, profissionais da área e empresários é atribuído o direito de participação nas “ações presenciais” e “ações virtuais” efetuadas em 12 meses.

Após o preenchimento de campos referentes ao nome, endereço, estado civil e outros dados pessoais, começam alguns questionamentos que nos remetem a um interesse pelas possibilidades financeiras do candidato, com as seguintes perguntas: se possui carro próprio, residência própria, computador, notebook, cartão de credito, internet banda larga, plano de saúde, seguro de vida, página na internet. E vão além: solicitam informações sobre a quantidade de viagens que costuma realizar anualmente (a lazer e a negócios), sobre a utilização de serviços de agências de viagens e ainda se possui algum hobby.

Essas informações são, possivelmente, condicionadas pelos interesses de mercado dos proponentes para o estabelecimento de possíveis metodologias. No entanto, busca-se, certamente, o empreendedor que disponibilize de recursos mínimos para empreender, sendo que o empreendedor sem recursos já seria desqualificado, mesmo que implícito seja o simples preenchimento do questionário. Soma-se a essa questão o fato de que as ações do programa ocorrem em cidades distantes, impossibilitando a participação de inscritos com menos recursos financeiros para deslocamento e hospedagem.

Mas, vamos a algumas outras questões que, por sinal, são indispensáveis à pessoa que se forma para cooperar com o desenvolvimento turístico nacional: na continuação da etapa 03 do questionário de adesão, os organizadores do programa perguntam sobre assuntos de interesse, como: paquera, humor, leilões, viagens, turismo, entre outras. São informações quanto ao nível cultural que serão cruzadas com o nível de renda, contribuindo, provavelmente, com o (re) direcionamento do programa.

No item 4 os itens estão relacionados à participação do futuro empreendedor no mercado, ou seja, se está desempregado, é autônomo, trabalha informalmente, se é micro ou pequeno empresário ou se está empregado. No prosseguimento, há uma questão voltada à atuação ou não do interessado no setor de turismo, ou seja, se ele “trabalha ou já trabalhou em alguma atividade relacionada com o turismo”. Isso nos remete a mais um questionamento: só pelo fato de participar do programa, que não é direcionado somente aos profissionais da área e estudantes, a pessoa estará apta a contribuir com o desenvolvimento do turismo no Brasil com responsabilidade ambiental? O turismo, encarado somente como um negócio, pode ser altamente impactante no que diz respeito às questões sociais e patrimoniais de uma determinada região. Assim sendo, a visão economicista é, por si só, reducionista e presente no programa.

Esse é um assunto que merece considerações, visto que o desenvolvimento do turismo em nosso país deve ser composto por ações voltadas aos anseios de comunidades com atratividades ou recursos turísticos e não somente na possibilidade de alguns de empreender um “negócio turístico”, sem o efetivo comprometimento de capacitar e gerar empregos. Como afirma Molina (2001, p.82) os objetivos traçados para a evolução planejada do turismo nos paises Latino Americanos devem promover uma mudança estrutural, ou seja, qualitativa, “uma vez que, de outro modo, a relação dominação-dependência [...] se consolidaria [...]”. Nesse sentido, ressaltamos para a necessidade de ir além de instruções baseadas somente na capacidade empreendedora, pois seu comprometimento é tão somente com o mercado, sendo, por isso, incapaz de tocar nas estruturas vigentes.

O interesse sobre as possibilidades financeiras do inscrito continua no item 4. Nos dados profissionais, há um campo para informar a renda bruta referente ao emprego atual ou do último emprego. Os espaços seguintes devem ser completados com a remuneração que deseja ter em seis, doze e vinte e quatro meses. É como se a engrenagem do sistema neoliberal não estivesse em pleno funcionamento e tudo o que a pessoa desejar ela poderá com seu esforço, independentemente da conjuntura estrutural do país e do próprio “futuro empreendedor”.

Àqueles que estão no processo de abertura de empresa ou aporte de crédito, a taxa de adesão não é cobrada. Para o primeiro caso, é necessário enviar uma cópia do protocolo da junta comercial e o contrato social e, para o segundo, uma cópia da carta consulta da instituição financeira. O endereço de envio especificado no site é da Bureau Consultoria, sendo que no escritório de São Paulo, situado na Av. Luiz Dumont Villares, 2.078, cj 32, funcionava a área de administração e finanças. Desativado em fevereiro, as atividades da empresa foram centralizadas no escritório de Curitiba, onde já funcionavam os setores de marketing e logística.

Essa parceria da ABBTUR nacional com a empresa citada não é especificada no site. Isso nos remete a alguns questionamentos: O Empreendetur foi desenvolvido por e para uma empresa privada com a estrutura da ABBTUR e Ministério do Turismo? Como são as relações entre as organizações, incluindo fluxo financeiro e de informações cadastrais? A empresa Bureau de Consultoria terá acesso ao cadastro de inscritos e poderá utilizá-lo para venda de seus serviços? Finalmente, retornamos a outra pergunta que diz respeito à organização profissional: por que a ABBTUR assume um programa que tem como ‘’público alvo’’ qualquer interessado, mesmo não sendo turismólogo?
Erro! A referência de hiperlink não é válida.
As questões apontadas nos remetem a algumas outras considerações: a impressão é a de que um empresário cria um programa de captação de clientes em potencial para seus negócios, o que é legítimo. Contudo, como precisa de recursos para a divulgação e penetração nacional no segmento turístico, vincula-se a uma associação de classe, a ABBTUR, e consegue recursos financeiros oficiais do Mtur para toda a campanha promocional e a operacionalização. Se estas hipóteses se confirmarem, estará sendo colocada em prática a ‘’máxima’’ de Sêneca: “não existem ventos favoráveis, para quem não sabe para onde vai”. E assim caminha nossa associação...


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que o Empreendetur possui propostas descontextualizadas das características próprias do Estado. Não há possibilidades do programa fundamentar mudanças estruturais e qualitativas no turismo brasileiro, por três motivos centrais: colabora com a idéia de que são os empreendedores e não o Estado, através de políticas públicas de turismo, que podem aproveitar potencialidades e sustentar o desenvolvimento responsável do turismo; distancia a realidade sócio-economica do individuo, pregando que toda e qualquer coisa depende dele próprio, independentemente dos aspectos políticos e econômicos da nação; promove o discurso de que a iniciativa privada tem um comprometimento ético com a sociedade, e não com a ampliação da mais valia, ficando o turismo dependente de sua conduta e atuação; não proporciona o entendimento de que a atividade empreendedora se deve ao desemprego e a política recessiva imposta pelo Estado brasileiro; e, finalmente, acaba fazendo uma apologia contra a luta pela regulamentação, uma vez que afirma implicitamente ou explicitamente (conforme o entendimento de cada um) que não é necessário profissionais devidamente formados em cursos de nível superior para atuarem e promoverem o turismo com responsabilidade.

Mesmo com a falta de recursos, sabemos que é o Estado, por meio dos representantes eleitos, quem deve procurar os caminhos para o desenvolvimento turístico como via de beneficiar a coletividade. Nesse sentido, o planejamento e a gestão devem ser compartilhados, envolvendo a comunidade local, o terceiro setor, a academia e a iniciativa privada. Consideramos descabida a proposta da ABBTUR ao promover um programa que vai ao sentido oposto das efetivas ações que devem ser tomadas para que o turismo se desenvolva no Brasil: participação de profissionais, orientação de investimentos pelo Estado, planejamento local e centrado nos anseios e reais necessidades da população.


REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. A desertificação neoliberal no Brasil: Collor, FHC e Lula. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

BARRETO, M.; TAMANINI. E.; SILVA, M. Discutindo o ensino universitário de turismo. Campinas, SP: Papirus, 2004.

BOYER, Marc. História do Turismo de Massa. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2003.

Empreendetur. Disponível em: http://www.empreendetur.com.br. Acesso em: 07 de fevereiro de 2006.

BARBOSA, Ycarim Melgaço. História das viagens e do turismo. São Paulo: Aleph, 2002.

IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 08/02/2006.

LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. Temas de Ciências Humanas. São Paulo: Ciências Humanas, nº 4, 1978.

_______________. Existencialismo ou Marxismo. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.

MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo: Global, 1987.

MOLINA, Sérgio; RODRIGUEZ, Sérgio. Planejamento Integral do Turismo: um enfoque para a América Latina. Tradução de Carlos Valero. Bauru: EDUSC, 2001. p. 53.

PETRAS, James. Modernidad versus Comunidad. Habana, s/d.

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