domingo, 21 de junho de 2009

ESPELHO DA HISTÓRIA: O FENÔMENO TURÍSTICO NO PERCURSO DA HUMANIDADE

ESPELHO DA HISTÓRIA: O FENÔMENO TURÍSTICO NO PERCURSO DA HUMANIDADE

MIRROR OF THE HISTORY: THE TOURISM PHENOMENON IN THE WAY OF THE HUMANITY



RESUMO: A elaboração deste artigo tornou-se um desafio para o autor por dois motivos: o primeiro, por ser extremamente audacioso, pois questiona as epistemologias existentes para o estudo do fenômeno turístico, e pelo trabalhoso tempo gasto na pesquisa e na investigação da produção literária existente, que exigiu a leitura de diversos livros de áreas correlatas ao turismo, contudo, não estamos lamentando, mas, sim, constatando a existência da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdiciplinaridade própria do fenômeno turístico. O segundo motivo deve-se à audácia em querer questionar a literatura existente e seus principais paradigmas, proposta nada fácil para o seleto grupo acadêmico que atua nesse campo.

PALAVRA-CHAVE: turismo categoria histórica; interdisciplinariedade; movimento; atividade.


ABSTRACT: The development of this article became such a challenge for the author for two reasons: first, for being extremely daring, because it asks about the features existing in the tourism phenomenon studies and it was necessary a vast reading of several books relationed to the tourism. Of course, it wasn´t an easy task because it asked for a valuable time in the research of the literary output. It shows the existence of interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade originally from this subject.The second one, is the from the daring in the attempt of question about the literature and its qualities, that was something very hard for a selected group of academics that works in this sort of area.

KEY-WORDS: Tourism as a historian category; interdisciplinaridade; movement; activity











João dos Santos Filho

Movimento: atividade sinalizadora do desenvolvimento do turismo

O verbete movimento estabelece, no caso, que a atividade é tão necessária ao organismo como é indispensável à cultura. A diferença entre o nosso tratamento anterior do impulso muscular e nervoso e a definição de necessidade, como ela aqui aparece é clara. Estamos agora interessados nas condições gerais sob as quais a maioria dos membros, em qualquer ocasião, e todos os membros em alguma oportunidade têm de obter algum raio de ação para exercício e iniciativa...
Atividades. O organismo humano, normal e repousado, precisa de movimento. Este é um imperativo muito geral imposto pela natureza humana sobre a civilização.
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[...] atividades especiais estabelecidas e organizadas, tais como esportes, jogos, danças e festividades, onde uma atividade, regulada e estabelecida, muscular e nervosa torna-se um fim em si mesma. Temos um corpo de pesquisa a respeito de folguedo e recreação, no qual algumas das respostas a estes problemas já haviam sido antecipadas. ( MALINOWSKI, 1970, p. 90 e 102, grifo nosso ).






PRELIMINARES


A elaboração deste artigo tornou-se um desafio para o autor por dois motivos; o primeiro, por ser extremamente audacioso, pois questiona as epistemologias existentes para o estudo do fenômeno turístico, e pelo trabalhoso tempo gasto na pesquisa e na investigação da produção literária existente, que exigiu a leitura de diversos livros de áreas correlatas ao turismo, contudo, não estamos lamentando, mas, sim, constatando a existência da interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdiciplinaridade própria do fenômeno turístico. O segundo motivo deve-se à audácia em querer questionar a literatura existente e seus principais paradigmas, proposta nada fácil para o seleto grupo acadêmico que atua nesse campo.
Nossa intenção é explicitar outro encaminhamento científico com o objetivo de entender o fenômeno turístico e contribuir para que o mesmo se fortifique como ciência específica do saber humanístico do turístico e consolide um arcabouço teórico metodológico capaz de instituir leis, regras e axiomas próprios. Com este fim, recorremos ao suporte teórico do funcionalismo em especial na antropologia e do Materialismo histórico e dialético no marxismo, que nos permitiram elaborar as idéias contidas neste trabalho, esperando contribuir, desta forma, para uma discussão acadêmica.














TESES CENTRAIS
Como esclarecimento inicial, entendemos que a teoria antropológica e, a etnográfia da conta em descrever as sociedades tribais em diferentes estágios de sua evolução material e intelectual, bem como permite entender a dimensão das necessidades biológicas do ser humano. É justamente nesse campo que ousamos pensar o fenômeno do turismo, não como algo definitivo ou meramente biológico, mas, sim, como uma construção histórica que vem sendo moldada segundo o desenvolvimento das relações de produção.
De maneira a complementar nossos apontamentos, utilizaremos o materialismo histórico na perspectiva de demonstrar que sua base teórica coloca historicidade na visão etnográfica, permitindo o uso cuidadoso e não conflitivo de epistemes diferentes. Tal possibilidade depende exclusivamente da capacidade do pesquisador no trato de seu objeto de pesquisa e no conhecimento que o mesmo possui das diferentes linhas teóricas.
Semelhante procedimento metodológico foi articulado também por Karl Marx e Friedrich Engels, que ficaram impressionados com o livro A Sociedade Primitiva do antropólogo Lewis Henry Morgan, publicado em 1877. Marx estudou a literatura existente sobre as sociedades “primitivas”, uma vez que havia elaborado reflexões sobre seus escritos, em Formações Pré-capitalistas, resultando em um resumo crítico comentado da obra de Morgan. Engels, transforma-o em livro A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, publicado em 1884, no qual destacamos a seguinte parte:

De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Mas essa produção e essa reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de meios de existência, de produtos de alimentícios, habitação, e instrumentos necessários para tudo isso; de outro lado, a produção do homem mesmo, a continuação da espécie.
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Tive que refazer toda a argumentação econômica, que, se era suficiente para os objetivos de Morgan, não bastava, em absoluto, para os meus. (ENGELS, 1977, p. 2 )

Na verdade, Engels fez uma leitura dentro do Materialismo Histórico e dialético do estudo academicamente sério de episteme funcionalista de Morgan, permitindo demonstrar que um objeto pode ser lido de várias linhas teóricas e todas dentro de seu campo possuem qualidades e limites que podem ser incorporados ao entendimento do fenômeno.
Essa “centrifugação” possível no uso de correntes teóricas opostas pelas quais optamos: a etnografia e o materialismo histórico para o estudo de um único objeto, parece desaconselhável teoricamente e prejudicial à análise científica se não a entendermos dentro dos limites e respeitando os momentos de insustentabilidade aproximativa das duas epistemes em situações concretas. Por isso, objetivamos demonstrar que as necessidades básicas estudadas pelo antropólogo Bronislaw Malinowski em “Uma teoria científica da cultura” são também abordadas por Karl Marx em “A Ideologia Alemã”, porém em dimensões e referenciais teóricos diferentes.
O esforço acadêmico e teórico que realizamos não é descabido e, sim, contribui para o entendimento da realidade, dando-lhe mais validade universal e aproximando-o da verdade científica. Tal procedimento é comum nos escritos de Florestan Fernandes e o uso do ecletismo teórico enriquece seus estudos. Em um texto sobre a contribuição teórica às ciências sociais, o sociólogo e pesquisador Gabriel Cohn afirma:

Essa disposição para articular modalidades diversas de acesso à realidade social, para mobilizar formulação metodológica e esquemas teóricos diversos no interior da mesma pesquisa, é uma maneira de dar conta dessa tensão entre a inserção prática angustiada, tensa – e, por que não dizer, em muitos momentos contraditória no seu mundo – e as exigências da consistência interna, do acabamento, da integridade da obra. ( COHN, 1987, p. 53)


Por esse motivo, sentimo-nos preparados para sustentar esse pequeno ecletismo e demonstrar que a ciência depende não só das epistemologias, mas também, em saber usá-las de forma crítica e inteligente, como fazia o cientista social Florestan Fernandes. Demonstrando que o fenômeno turístico não pode ficar restrito ao monopólio de uma única linha epistemológica, mas, sim, com os cuidados necessários, pode-se produzir estudos baseados em diferentes conceitos que aderem à explicação do objeto, sem, contudo, minar a vertente teórica em sua base estrutural.
Entendam os teóricos da academia que não estamos propondo um ecletismo episteme insustentável teoricamente, ao contrário, podemos utilizar conceitos de matrizes diferentes para poder entender um fato específico e peculiar em estudos que, muitas vezes, exigem esse ecletismo balanceado como afirma Florestan.
Os estudos mais interessantes são aqueles que sabem utilizar um instrumental teórico livre para entender a realidade humana em sua dimensão pluridimensional, servindo a uma ciência de aplicação mais eficiente, pois a sociedade usa-se para o entendimento do mundo.
A arte de recorrer, nas análises científicas, a conceitos de epistemes diferentes requer do pesquisador um domínio sobre as diferentes teorias, bem como saber quando e onde utilizá-los, pois aí reside a sua capacidade de investigador. Diferentes conceitos podem ser utilizados, desde que devidamente justificados e detectados seus limites dentro do corpo do trabalho.
Assim, o embate epistemológico deve ocorrer entre a produção de pesquisadores e não no interior de um texto, e, se isso acontecer, podemos ter certeza de que a confusão conceitual existente no interior do trabalho em questão é por erro de seu autor que possui uma formação teórico/filosófica deficiente diante da teoria do conhecimento.

PROCEDIMENTOS

Para podermos entender o fenômeno do turismo em sua dimensão teórico/metodológica, com raras exceções pouco se tem onde recorrer, uma vez que os estudos existentes nesse campo são restritos, e muitas vezes, rejeitados por parte da academia. Diante de tais constatações, partimos da premissa de que necessitamos estudar a construção histórica desses conceitos. Em primeiro lugar, parece questionável que o turismo ser entendido como produto do capitalismo? Ou que seu desenvolvimento decorra de fatores do aparecimento da alta tecnologia como assim o quer Sergio Molina com o conceito de “pós-turismo”, ou que seu nascimento surgiu na Inglaterra pelo Grand-tour, ou que foi colocado no trade por Thomas Cook.
Questionamentos existem e fazem parte da dinâmica de ser do fenômeno turístico, que; por possuir uma forte vertente tecnicista e ainda a relativa facilidade de inserção no mercado profissional, bem como a limitação numérica de pós - graduações strito-senso existente no país, apresenta-se no interior da academia de forma frágil. Esta situação, nada agradável para o fortalecimento do turismo como ciência, interfere no domínio e na compreensão do fenômeno que, por sua natureza integrativa e universal, deve e necessita do apoio das outras ciências para poder se firmar na academia.
É nesse sentido que este trabalho vai ao encontro de uma nova leitura do fenômeno do turismo no difícil e ardiloso campo da teoria do conhecimento. Cabe a nós respeitar toda e qualquer interpretação teórica e a partir delas avançar no campo da ciência.
Começamos pelos ensinamentos da etnologia que busca realizar estudos descritivos das sociedades humanas, raça, história das culturas e das línguas, para nós de suma importância para a compreensão do surgimento das necessidades básicas. Como surgem? Por que surgem? E qual sua função?
A etnologia como ciência serviu para que a humanidade compreendesse sua essência de aparecimento histórico, entendendo as necessidades básicas do ser humano e as resposta culturais que o mesmo deveria dar. Como necessidade básica, Bronislaw Malinowski consegue detectar a questão do movimento, que, para a ciência do turismo, aparece como um elemento fundamental a fim de se explicar ontológicamente, abrindo um campo inesgotável para pesquisas na área.
Com isso, negamos que, na história da humanidade, o homem tenha sido, por um período relativamente grande, sedentário. Com a expansão territorial, a necessidade de sobrevivência, a troca de mercadorias; o surgimento da luta do movimento operário pela redução da jornada de trabalho do capitalismo e a resposta cultural desta necessidade denomina-se atividade, que aparece moldada sob diferentes conceitos, segundo o estágio das relações de produção e das características culturais de cada sociedade. Com isso, colocamos o movimento como uma necessidade histórica básica cuja resposta cultural correspondente é a atividade como detalhado por Malinowski:


(A) (B)
NECESSIDADES BÁSICAS RESPOSTAS CULTURAIS
1. Metabolismo 1. Aprovisionamento
2. Reprodução 2. Parentesco
3. Confortos corporais 3. Abrigo
4. Segurança 4. Proteção
5. Movimento 5. Atividades
6. Crescimento 6. Treinamento
7. Saúde 7. Higiene
( MALINOWSWKI, 1970, p. 89 )

A importância desse estudo para a ciência do turismo é que a mesma pode ser percebida como uma necessidade histórica/biológica, que a coloca em outro patamar a explicação teórica e que põe por terra toda e qualquer teoria que insinue que o turismo nasceu com o capitalismo. O turismo nasce como uma resposta cultural dada a uma necessidade biológica, portanto faz parte da referência histórica dos homens.
De acordo com a antropologia, o movimento constitui uma atividade necessária ao homem, pela qual ele consegue fazer a coleta, caça e a pesca, o movimento físico e geográfico potencializando a construção de uma cultura. Assim, todos devem ter um raio de ação, deixando suas marcas nos produtos que colhem da natureza e nos desenhos rupestres que espelham seu desenvolvimento evolutivo. Esta necessidade pelo movimento atribui ao ser humano o ato de andar, correr e trabalhar, sendo que o trabalho vai se constituir na categoria máxima e explicativa do ser humano dentro do materialismo histórico.
Porque o trabalho se refere a qualquer ação humana que modifique o meio, assim a resposta cultural à satisfação de uma necessidade básica vai se conformar por meio da história de diferentes maneiras segundo o estágio cultural, político, econômico e social de uma determinada sociedade.
Nesse caso, o movimento como necessidade básica se transforma em atividade pela categoria trabalho que, dentro da epistemologia marxista, significa que a realidade é produto da ação do homem. Na leitura de Karl Marx, a história é resultado da materialidade, e o movimento configura-se em uma resposta cultural, resultado da práxis dialética entre a realidade objetiva e a subjetividade dos homens; enquanto para o funcionalismo do período da etnologia biológica, o movimento é uma necessidade biológica e não construída, mas, sim, dada.
Recuperando uma das referências de Marx, o mesmo entende que a realidade possui necessidades que os indivíduos têm que satisfazer não só para sobreviver, mas também para poder fazer história:
[...] primeiro pressuposto de toda existência humana e, portanto, de toda a história, a saber, que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de << fazer história>>. Mas para viver, é necessário antes de mais beber, comer, ter um tecto onde se abrigar, vestir-se, etc. O primeiro facto histórico é pois a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; trata-se de um facto histórico, de uma condição fundamental de toda a história, que é necessário, tanto hoje como há milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora, a fim de manter os homens vivos. ( MARX e ENGELS, 1976, p.33 )

Tanto a etnologia como o materialismo histórico ajuda-nos a ter uma compreensão do fenômeno turístico. O primeiro capta-o como uma necessidade cultural, e o segundo, pelo materialismo histórico, entende-o como produto de uma resposta cultural. Essa integração tática episteme permite entender a produção do fenômeno turístico.

NO PERCURSO DA HISTÓRIA

O tipo de interdependência, que nasce da ordem biótica, nela incluindo as relações dos organismos com o meio físico e biológico em geral, repete-se igualmente no nível psicossocial e cultural, em que se organiza a vida humana. ( FERNANDES, 1974, p. 46 )


A arte da subsistência da raça humana e sua capacidade racional vão determinar para a história das civilizações o único axioma infalível e permanente, aquele que afirma: “nenhuma cultura viva é estática”. (HERSKOVITS, s/d. p. 289) Os seres humanos foram os únicos que conseguiram dar conta do problema da alimentação se aventurando à caça, à pesca e à coleta, ampliando a área geográfica na busca de regiões que resolvessem sua subsistência.
O ato de viabilizar a existência física permite-o galgar espaços maiores e os torna independente para longas caminhadas, isto é, um explorador irreverente. O ato de movimento, nesse período, exige atividades de alto grau de esforço físico, com parcos recursos técnicos. A escalada de montanhas e todo tipo de acidente geográfico, bem como o embate entre grupos e a luta com animais selvagens tornam as viagens verdadeiras aventuras:

[...] podemos afirmar que uma das características desses roteiros é possuir em sua essência a sedução do desconhecido, o exótico e o medo ao mesmo tempo da aventura e exploração. As condições de domínio sobre as possíveis variáveis que poderiam ocorrer eram quase sempre impossíveis de serem controladas. ( SANTOS FILHO, 2001, p. 75 )


A mobilidade torna-se o elemento central da vida pela luta da sobrevivência e tal processo vai se construindo na história da humanidade de diferentes formas, aparecendo o uso do tempo acoplado às atividades de trabalho e não-trabalho. Nesse momento, o homem tem uma única preocupação, a subsistência, pois há uma necessidade biológica de se preservar e procriar a espécie e manter o metabolismo. Portanto, sua vida está devotada à luta para sobreviver em comunidades coletivas que, pouco a pouco, foram moldando hábitos sociais que levaram à cultura do coletivismo.
O coletivismo aparecerá em um outro estágio de sociabilidade, cuja a cooperação e o próprio conflito costuram uma cultura tribal que espalha-se em diferentes estágios de desenvolvimento material e social pelo mundo. E, portanto, surgirão formas diferentes do tempo de não-trabalho. Nesse caso, comunidades darão ao tempo social usos ritualescos, religiosos, recreativos e de trabalho, pois há momentos que o trabalho e o lazer se fundem numa única atividade, segundo o desenvolvimento das relações de produção.
Não seguiremos as cronologias históricas existentes, porque elas possuem limites que podem estar temporalmente equivocados, sendo assim, descreveremos as atividades que são feitas e ocupadas pelo tempo de não-trabalho ao longo da história da civilização.
Para não cair numa categorização de base estruturalista, à semelhança de Sergio Molina e de Jafar Jafari, optamos em pensar o fenômeno turístico dentro de uma visão histórica, portanto nossas referências correspondem ao desenvolvimento das relações de produção, ou seja, decorrentes do estágio da materialidade das comunidades.
Denominamos essas faces períodos históricos em que o processo econômico movimenta e determina a forma de ser da civilização, ou seja, a seqüência dos modos de produção vai determinar diferentes atividades de tempo social, na qual o trabalho e lazer vão se configurar num único bloco de atividades do cotidiano. Com o desenvolvimento e mudança das relações de produção, o trabalho e as possíveis atividades de lazer vão se separando e tornando-se autônomas, em razão da mercadoria para a troca.
Portanto, o turismo vai ser sinalizado por diferentes significados, segundo a cultura determinada pelo modo de produção, assim sendo, entendemos que podemos elaborar uma classificação, agora rica em determinações históricas e não um simples quadro heurístico, vazio de historicidade. Neste caso, nosso ponto central de base axiomática é a terra, uma vez que as relações sociais vão se formar segundo à configuração da propriedade da terra, co…m isso, queremos nos afastar do perigo de inventar classificações de cunho comteano quando se trabalhar a questão trinaria ou se propuser conceitos de configuração idealista e metafísica, vazias de qualquer materialidade e recheadas de formatações de cunho de censo-comum.
Por isso, atentamos em produzir uma classificação com historicidade cuja totalidade seja produto do desenvolvimento das relações de produção:
1. Comunidade Natural: é aquela comunidade em que os indivíduos se sentem proprietários da terra e de sua realidade, o que impulsiona a vida e a proposta comunitária, pois são co - proprietários de uma igualdade natural. A vida gira em torno de uma entidade que se apresenta “[...] como um particular ager publicus” ( MARX. 1971, p. 51).
É característica desse período o nomadismo e a vida pastoril, onde a apropriação da terra é coletiva, meio e material de trabalho, bem como a base da vida é comunitária. Os homens produzem as condições objetivas de sobrevivência com referências lúdicas e divinas. Assim se expressa Karl Marx:
La apropiación real a través del proceso de trabajo ocurre bajo estos supuestos, los cuales no son ellos mismos producto del trabajo, sino que aparecen como los supuestos naturales o divinos de este.
( MARX, 1971, p. 52 )

Nesse período, qual denominamos comunidade natural, a propriedade da terra é coletiva, correspondendo a produto divino, isto é, um direito natural, um instrumento de trabalho para cada individuo, a natureza é dona de tudo e de todos. O lúdico adquire traços de divindade e aparece de forma ainda difusa na compreensão do trabalho e da troca.
As atividades de trabalho e não-trabalho (lazer) são únicas e apresentam-se no cotidiano daquelas comunidades, estando entrelaçadas em todo seu cotidiano. Obviamente as atividades de não-trabalho só existem porque existiram a de trabalho e, como desenvolvimento biológico, requer a necessidade básica do movimento que, como resposta cultural, propõe uma série de atividades que vão depender do estágio das relações de produção da mesma sociedade. É assim que a visão histórica materialista entende o surgimento do turismo, como uma construção histórica,
Os ritos retratados nas cavernas, as marcas dos seus excrementos, restos de ossos e utensílios (sambaquis) levam-nos a entender a noção de movimento e as atividades de lazer por eles produzidas, como a dança, desenhos, caça, rituais e o cotidiano, permitindo-nos compreender o movimento como necessidade básico-cultural e sua explicitação inerente a cada grupo social. Por isso, os desenhos rupestres demonstram, no Brasil e em todo o planeta, retratos de diferentes estágios civilizatórios da raça humana.
Nesse período, que denominamos comunidade natural, surge o homem, tratando-se de um espaço temporal longo, formado por estágios materialmente diferentes, e a antropologia vai estudá-lo por inúmeras classificações. Podemos entender as várias atividades de lazer, a caça, a pesca, a plantação e a coleta apresentam-se todo um ritual de dança e orações (ladainhas) referentes àquela atividade, enfim a ritualização faz parte da sociabilidade das pessoas.
Nessa variação de desenvolvimento material e social, vão surgir os jogos ligados sacrifícios de animais e humanos. A luta corporal ligada a atividades de espetáculo vai ganhar força e sustentar vários períodos civilizatórios e diferentes sistemas despóticos. Os lazeres surgem como atividade ligada ao trabalho e a espetáculos de lutas e sacrifícios, as grandes arenas de luta entre gladiadores e animais divertem multidões e conquista seguidores. O lazer tem um objetivo, servir à manipulação das massas apoiadas a entidades religiosas. Esse período contempla um largo espaço histórico, quando matrizes culturais correspondem ao desenvolvimento material diferenciado ocorrido no continente Latino Americano. Por isso, exploradores como Pedro Álvares Cabral e Cristóvão Colombo apresentarão comportamentos diferentes, pois contatam povos com estágios civilizatórios desiguais, portanto, com lazeres diferentes.
Grupos de colonos, punidos pelo reino português e espanhol, instalam-se no Novo Mundo e, com a bandeira da missão evangelizadora, fundam cidades, dão vida a santos e santificam imagens para a futura troca por ouro, interferindo na vida local:

[...] participaram em rivalidades nativas e jogaram umas tribos contra outras. Batalharam, aterrorizaram, torturaram e mataram nativos; deitaram-se com suas mulheres, filhas e viúvas feitas pelos espanhóis; e levaram muitas almas pagãs à salvação, na grande maioria das vezes com a extinção simultânea dos respectivos corpos. E sempre indagando o paradeiro do ouro. ( LANDES, 1998, p. 111 )

Nessas sociedades, as atividades de lazer, por serem ritualistas, não são independentes do trabalho, mas, sim, necessitam existir para que o trabalho seja realizado com sucesso, por isso uma prática social existente, o trabalho e o lazer apresentam-se como atividade única e inseparável à qual chamamos trabalho natural ou trabalho de subsistência, cujo cotidiano é voltado para a subsistência e o movimento se explicita em atividades de luta pela sobrevivência; os lazeres apenas são percebidos na atividade de trabalho. Mesmo que o jogo de pelota apareça com nitidez na sociedade Maya, sua disputa envolvia ritual antes e depois do jogo e estavam associados diretamente ao trabalho de sobrevivência.


O jogo de pelota constitui-se em uma atividade que possuía um contorno sagrado e cósmico, misturado, às vezes, ao sacrifício de seus perdedores, correspondendo ao esporte nacional do povo Quiché.
Devemos esclarecer que o período histórico que classificamos como comunidade natural se entende pela categoria de trabalho de subsistência e natural cuja característica de intemporalidade é o elemento fundante desse “espaço” dado pela grandiosidade de tempo cronológico impossível de ser medido, mas estimado. Vai além das cronologias consagradas, porque apesar da já sinalização da mercadoria dada pelo escambo o continente Latino apresenta desenvolvimentos das relações de produção específicos e individualizados, pois as divisões étnicas da América Espanhola era um perfeito bricoleur para os exploradores que atuaram na sistemática da classificação para o controle e o extermínio. Então, não podemos nos ater a cronologias, mas, sim, ao movimento da mercadoria. Neste sentido trabalhamos a classificação histórica em questão.

2. Sociedade Mercantil: é aquela em que aparecem as cidades unidades administrativas, a ocupação da terra pelas guerras com o avanço da mercadoria toma posse do cotidiano das pessoas e há uma expansão territorial em que o Capital se alastra e começa a enfatizar e a produzir o lucro e a exportação. O traço marcante do referido período é a separação entre trabalho e não-trabalho de forma acelerada. As classes sociais são diferenciadas por lazeres que praticam; aos nobres, cabe a esgrima, os esportes de cavalaria e as festas do palácio; aos súditos, cabem as festas de cunho religioso e cultural. Esse período vai do descobrimento e exploração da América até a Revolução Industrial.

Inglaterra, no começo da revolução industrial
Tal período apresenta-se rico as descobertas científicas se multiplicam com o objetivo de ampliar a acumulação de capital, com uma burguesia já estabelecida, com poder político e econômico definido e que dominava e aperfeiçoava uma tecnologia que vinha da Idade Média. Segundo o professor de história e economia política David S. Landes:
A Idade Média, como vimos, já estava familiarizada com uma ampla variedade de máquinas – para triturar milho ou malte, moldar metais, tecer fio, pisoar pano, lavar tecidos, acender fornalhas. Muitas dessas máquinas eram acionadas por força motriz, tipicamente por noras ou azenhas (rodas hidráulicas). Nos séculos seguintes (1500- ), esses dispositivos proliferaram, dado que os princípios da mecânica eram largamente aplicáveis. Nos têxteis, algumas das importantes inovações foram o bastidor para malha, o tear “holandês” ou tear “mecânico”, o tear de trena; também as máquinas para torcer fio de seda. (LANDES, 1998, p. 211 )


A exploração das minas de carvão e matéria prima para a fabricação do ferro e aço deu um avanço descomunal para a criação de riquezas, alterou a qualidade dos transportes: navios de casco de aço, mais resistentes e leves, trilhos de aço, mais duráveis, e a própria metalurgia, que vão se constituir elementos determinantes para a Revolução Industrial. As condições de trabalho passam por diferentes faces: da exploração brutal, como denuncia Paul Lafargue, em “O Direito à Preguiça”, até o aprendizado da organização da classe trabalhadora como classe, que tem acesso ao “Manifesto Comunista”.
O movimento em defesa da classe trabalhadora alcança as ruas e chega ao Parlamento, o movimento socialista internacional ganha amplitude, e as obras de Karl Marx e Engels fazem-se presentes no meio intelectual. O tempo de trabalho começa a ser planificado com direitos sociais conquistados ou dado por interesse em aumentar a produção e circulação da mercadoria.
Os lazeres começam a ser comercializados, sejam no Gran Tour ou por Thomas Cook e com o direito às férias, apesar de estar marcado por lazeres e turismos resultado de uma estratificação social e econômica injusta e discriminatória. Os ricos desfrutam das praias européias, e os pobres, dos encontros familiares e cultos religiosos.


3. Sociedade do Capital: é aquela em que tudo é transformado em mercadoria para ser consumida, a atividade de trabalho separa-se completamente da de lazer e turismo. Essa independência entre tempo de trabalho e não trabalho significa o rompimento do equilíbrio e da sustentabilidade que estava contida na sociedade tribal, em que a mercadoria é inexistente, pois o que há é trabalho para satisfazer a subsistência, e nesse caso, não ocorre a separação entre trabalho e não- trabalho.
Com a produção de excedente para a troca e sua intensificação o capital inicia um processo de expansão e acumulação sem precedentes, essa fúria em privatizar a vida das pessoas corresponde à necessidade de aprofundar, cada vez mais, a acumulação de capital e garantir a ditadura do mesmo. O mundo das corporações determina e conduz o poder do capital que atinge o capitalismo e o socialismo real, sustentado por uma sociabilidade construída pelo fetichismo da mercadoria que vende o irreal, torna o ilusório concreto e o lúdico permeia o cotidiano das pessoas, ocasionando uma crise de racionalidade que vem acompanhada por um processo de despolitização e negação da razão como condutor do conhecimento.
Essa barbárie, segundo José Chasin decorre da voracidade do capital que utiliza de elementos para diminuir o trabalho vivo em relação ao trabalho morto, assm:

É a alta tecnologia (micro-eletrônica/automação/etc.) a contribuir de modo determinante na criação da riqueza, reduzindo de forma drástica a participação do trabalho vivo. Desta vez (arco com o pleonasmo) os monopólios monopolizam uma arma especial: um “ escape relativo” à lei do valor. ( CHASIN, 1983, p.14 )

Com a diminuição do trabalho vivo, ocorre uma virtual onda de desemprego em massa, concentração de riqueza e conseqüentemente maior pobreza e miséria. O povo sofre no âmbito da satisfação de suas necessidades básicas, é nesse contexto que o Estado, de acordo com Karl Marx, transforma-se no comitê da classe dominante, desenvolvendo um processo de fetichicismo por meio da emulação veiculada de forma intensiva e subliminar pelos meios de comunicação públicos e particulares. Esse mercado industrial de reserva é controlado pelo Estado na dimensão do seu assistencialismo clientelista, desenvolvendo a noção de igualdade dos desiguais, por meio:
[...] ab absurdo, se destes viessem a dispor, só transformariam o “sonho” em realidade, dado o estatuto do desenvolvimento desigual, sob a forma de uma única e restrita associação das personae do capital, ou seja, sob a forma de um monopólio único, que não poderia ser outra coisa do que o próprio estado. De modo que o exercício rígido de uma ilação genérica, equivalência lógica de uma ilusão de classe, pode “levar” o capital à beira da felicidade máxima; mas, em concomitância com o auge do delírio, o “sonho dourado” se converte no “pior dos pesadelos”, à medida que só pode vir à luz sob uma encarnação que dissolve o capital privado (o que não significa a dissolução do próprio capital ). (CHASIN, 1983, p. 13 )


O irracionalismo afeta a sociedade e é esse mesmo irracionalismo que atua nos lazeres e turismo, estimulando o consumo pelo irreal, ilusório, no mundo da fantasia, tornando os indivíduos idiotizados, e o censo comum passa a governar a vida de cada um e a adrenalina é usada para ressaltar a prática do inexistente na realidade. Esse é o motivo do “sucesso” dos Parques Temáticos que atendem ao sentido da necessidade da fuga metafísica do cotidiano histórico.
Com a manipulação ideológica, os lazeres e o turismo passam a se constituir num verdadeiro freio e ocultação da realidade vista dentro da concepção histórica. Como resposta surge a inocente idéia de que a realidade necessita ser contada em partes e não em sua totalidade.
O lazer e turismo são globalizados, portanto devem seguir o padrão de uma hospitalidade universal ditada pelas grandes corporações, seja no campo do transporte, gastronomia, hotelaria e dos lazeres imposto pelos interesses das grandes corporações. O lúdico é explorado para manter, ao máximo, o sujeito descolado da realidade política, econômica e social; o turismo tem a função de desviar as contradições da sociedade, portanto funciona como elemento de exclusão social, alimentando a ideologia dominante e fixando a falsa idéia de que o problema não se encontra no sistema, mas, sim, no interior das pessoas.
Assim, tal individualismo privilegia como o turismo o Caminho de Compostela, os Parques Temáticos, os jogos eletrônicos, o computador entre outros, estas práticas induzem ao egoísmo individualista e ao consumo de literatura de auto-ajuda.


CONCLUSÃO

Nossa intenção foi construir historicamente uma categorização cuja expressão residisse na materialidade dialética da história, acompanhando o desenvolvimento dos Modos de Produção, buscando, com isso, fugir das mediações fenomelógicas, como assim estão construídas as maiorias das propostas de estudo do fenômeno turístico.
Se conseguirmos tal intento, o debate no interior da academia confirmará. Um objetivo alcançamos, despertar a leitura crítica do fenômeno turístico e demonstrar que existem outras epistemologias explicativas do objeto. A leitura do turismo feita pelo Materialismo histórico e dialético permite entender o objeto em sua totalidade e considera que o mesmo se constitui em uma atividade que surge anteriormente ao capitalismo.
Com referência a antropologia e seus estudos etnológicos, os mesmos nos abrem inéditos campos de pesquisas para o entendimento do fenômeno turístico, permitindo refleti-lo no conjunto de sua essencialidade histórica, capaz de levantar pertinentes questionamentos de ordem episteme.
A vantagem desse entendimento é permitir e compreender o objeto de forma ontológica, cuja essencialidade não fica vulgarizada pela rapidez dos dados empíricos e pela baixa reflexão imediatista que esse processo acaba alimentando. Com isso, podemos criticar o privilégio que a sociedade capitalista oferece aos dados quantitativos e o desprezo parcimonioso aos dados qualitativos. O saudosismo a Adam Smith e a Ricardo está amplamente discutida no texto de Karl Marx, O Método da Economia Política.
Partindo do pressuposto de que todo conceito é limitado, pois a realidade histórica social é mais rica que sua expressão literária, afirma-se que, conforme o desenvolvimento das relações de produção, os conceitos vão aprimorando sua significação, porém sem perder a sinalização de uma categoria que se manifesta em sua completude até cair no desuso. Processo este característico do materialismo histórico e dialético, neste sentido Karl Marx afirma:
[ Nota de Marx ] Os homens têm uma história pelo facto de serem obrigados a produzir a sua vida e de terem de o fazer de um determinado modo: esta necessidade é uma conseqüência da sua organização física; o mesmo acontece com a sua consciência. ( MARX e ENGELS, 1976, p.35 )

Karl Marx, ao afirmar que a única ciência que existe é a ciência da história, está assumindo a base de seu método e se diferenciando dos outros. Este caminhar epistemológico demonstra que a história é produto do homem em atividade de trabalho, e seu pensamento é produto da relação dialética de sua práxis. Se assim entendemos, é extremamente equivocado afirmar que o turismo começa com o capitalismo, pois ele é produto de um processo histórico que sinaliza a sua presença desde o aparecimento do homem. Obviamente que sua efetivação conceitual também decorre do mesmo processo, termos como ritos, preguiça, ócio, lazer e turismo vão surgindo com maior intensidade, conforme o estágio de desenvolvimento das relações de produção.
Assim, a idéia desse texto foi aprofundar a questão epistemológica e mostrar o quanto a referida discussão se torna necessária para uma ciência do turismo que ainda é marginalizada por parte da academia e mal entendida por algumas ciências que tentam manter o monopólio de sua existência.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

CHASIN, José. Da Razão do Mundo ao Mundo Sem Razão. In: Revista Nova Escrita Ensaio. São Paulo, 1983. Edição Especial, ano v, n. 11/12.
COHN, Gabriel. O ecletismo bem temperado. In. O saber militante (ensaios sobre Florestan Fernandes). (Org.) Maria Ângela D´Incao. Rio de Janeiro: Paz e Terra: UNESP, 1987.
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
MALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã I: Crítica da filosofia Alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus Diferentes profetas. Portugal: Presença, 1976..
........ Para a crítica da economia política; salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes: a economia vulgar. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
....... Formaciones econômicas precapitalistas. Buenos Aires: Cuadernos de Pasado y Presente, 1971.

SANTOS FILHO, João dos. Ordem Régia de Censura a Roteiros Turísticos do Século XVIII: André João Antonil no Índex. In: Revista Turismo em Análise. São Paulo: ECA/USP.V 12, n.1. 2001.
LANDES, David S. A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras tão pobres. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

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