domingo, 21 de junho de 2009

Neoliberalismo: lógica do irracionalismo

Neoliberalismo: lógica do irracionalismo
Ensaio sociológico sobre o neoliberalismo
João dos Santos Filho


“Quando visualizamos a obra à qual Marx dedicou a sua vida, vemos a posição central que ocupa a denúncia do liberalismo e dos liberais...os “heróis” do liberalismo são mostrados tal como são: homens que-consciente ou inconscientemente - ocultam os grandes antagonismos sociais, que inventam para os objetivos de classe estreitos e infames da burguesia, justificações “ideais”, fundadas na eficácia retórica e cuja influência sobre as forças verdadeiramente progressistas vai no sentido da desagregação e da desmoralização”. (Georg Lukács. Por que Marx e Engels criticaram a ideologia liberal? Revista Ensaio nº 17 e 18.)



RESUMO
A crítica feita hoje a Marx e à teoria marxiana, deveria ser algo capaz de aprimorar suas refêrencias e pressupostos, mas na verdade o que ocorre é a violência da negação. Como se o arcabouço teórico-metodológico do materialismo histórico e dialético estivesse condenado ao ostracismo e fosse possuidor do nectar que destrõi a humanidade. Para não gravitarmos na orbita da visão linear, recusamos os entenderes que localizam a crise como resultado das chamadas sociedade socialistas, pois entendemos que a mesma é da sociedade contemporânea. Na verdade é o movimento do capitalismo, através das políticas neoliberais, que direciona toda a sua ira à teoria marxiana. Neste sentido, podemos afirmar que há quatro questões de profundidade em toda a concepção neoliberal: a direitização da sociedade civil, a despolitização da realidade, a negação da lógica histórica e o retorno ao irracionalismo.
Palavras-chave: Neoliberalismo; marxiano; anti-marxismo; socialismo.

Apresentação
Os leitores deste ensaio poderiam indagar por que o mesmo se apresenta de forma tão enfática e em alguns momentos provocativa.Seria algum desafeto do autor para com pares da comunidade acadêmica, uma visão histórica atrasada e terceiro mundista, ou ainda resquícios de um nacionalismo protecionista de natureza populista? Quem sabe, mais um representante derrotado da história da humanidade, hoje tão em moda, conforme assim profetizam os fukuyamistas.
Todas estas insinuações são estranhas ao nosso perfil teórico e acadêmico, além de obedecerem a uma contemporaneidade por nós combatida desde estudante, a qual o saudoso mestre e amigo , professor Florestan Fernandes, sempre denunciou e se opôs a nível nacional.
Incomoda-nos sim, o ataque que Marx e a Teoria Marxiana vêm sofrendo. Para tanto, temos que adotar posições de vanguarda e inteligência se quisermos contrapor a toda e qualquer imundice que brote do lodo da história. A prontidão intelectual e a razão são as armas que possuímos para reagir contra o reino encantado da fantasia neoliberal, como proposta de solução para a crise da sociedade contemporânea.
Os críticos de Marx não são personagens novos, mas sim velhos opositores , que através da criação de dinastias defensoras do "capital", renovam seus interlocutores na perspectiva de continuar o embate entre o existencialismo e o marxismo. Esse processo, que se pauta na própria reflexão crítica entre ambas as teorias constitui-se em elemento fundamental para o desenvolvimento do pensamento científico, tanto a nível filosófico como epistemológico.
No que se refere a aqueles que hoje fazem grandes alardes em torno do anti-marxismo, os também chamados pós-marxistas, nada resistiu; Marx envelheceu, sua teoria morreu, os paradigmas entraram em crise antropofágica, a história terminou, o mundo entregou-se aos encantos do pós-modernismo, como diria José Paulo Netto, restaram alguns poucos dinossauros.
A teoria perde sentido, a razão trilha os caminhos da barbárie, há a negação da objetividade, que força e tenta ganhar expressão de validade acadêmica. Como pontualmente descreve o professor João Evangelista:
(...)foi deflagrada uma colossal onda irracionalista, cujo epicentro está em Paris e seus arredores....irracionalismo tomou corpo...pela "desreferencialização do real", pela "dessubstancialização do sujeito" e pelo "descentramento da política".
A realidade deixou de ser a referência para a produção do conhecimento. A "representação simbólica" do real ocupa o lugar da chamada "realidade objetiva". Desta forma não há uma determinação ontológica sobre o conhecimento. [1] .
É nesta perspectiva que a análise será desenvolvida, indicando a enorme pobreza que ocorreu no campo ontológico, pois a referência objetiva cedeu lugar às representações, de cunho simbólico, na verdade instrumentos poderosos na luta contra Marx e a teoria marxiana. Nada é sólido diante do existencialismo, nem a si próprio, como também seus intelectuais, que são obrigados a admitir o embate com o marxismo, para poder garantir sua existência.

INTRODUÇÃO
Entendemos que o modo de produção capitalista, através das políticas neoliberais, desenvolveu quatro questões de profundidade, que estão mapeadas em toda sua concepção de mundo: a direitização da sociedade civil, a despolitização da realidade, a negação da lógica histórica e um retorno ao irracionalismo.
Começamos com a direitização da sociedade civil, processo pelo qual ocorreu a contração do pensamento crítico e o avanço do pensamento idealista. Esse movimento de embate ideológico surge de forma mais cristalina e com maior radicalidade, quando se nega Marx e o seu ideário marxiano. Segundo Chasin:
(...)não cabe mais silenciar: hoje, a grande moda filistina não é falar de Marx, mas contra Marx. Desde o afetado "grand monde de l'esprit", até ao círculo abafado dos "pauvre d'esprit" a grande curtição é desvaliar o patrimônio político e intelectual marxiano [2]
Salientamos que essa campanha para desqualificar o arcabouço teórico marxiano e o próprio materialismo histórico e dialético evolui em virtude dos rumos percorridos pelos processos revolucionários ocorridos em 1917 e 1959, como também pelo descrédito político das velhas lideranças de esquerda, que acabavam reproduzindo os padrões autoritários das Internacionais
Na verdade, não podemos esquecer que a realidade apresentada por Cuba e pela União Soviética foi em muitos momentos maquiada-fetichizada, tendenciosa e germinada por um ufanismo ideológico de tonalidade stalinista, onde a crise econômica tanto a nível da produção como do consumo estavam explícitas, salvo em alguns setores tidos como estratégicos. Politicamente foram sociedades planificadas através de uma dinastia geriátrica e militar, em nenhum momento diferente dos períodos das ditaduras militares latino-americanas.
Enquanto referência social, há o aparecimento de certos extratos, que detêm o controle de toda a estrutura social e burocrática, solidificando posições de alta organização política no comando da riqueza e da pobreza que a máfia privada disputa com a máfia do Estado.
No campo cultural, com algumas exceções, como a dança, é lamentável a perda da estética, do belo, do harmonioso para a massificação do ultrapassado, do feio e do indefinido.
A economia centralizada nunca foi base para conseguirmos a emancipação humana, pois excluiu a participação popular e trouxe um envolvimento do Estado enquanto aparelho de controle social, político e econômico. Essa ordem econômica, massificadora e familiar ao mesmo tempo, paternalizou os filiados do partido na moralidade de seus ideais, hoje questionados pela crise das sociedades pós-capitalistas.
A crise explodiu, quando todos se diziam marxistas, mas poucos eram marxianos. Houve uma debandada geral para o covil do neoliberalismo justamente pela fraqueza teórica e ideológica dos vários entenderes marxistas. Um passo para a nova Canaã do modernismo, onde os crentes de tribuna oravam na defesa da livre concorrência e das privatizações.
Esse processo de conversão se deve a dois fenômenos. O primeiro se refere às várias interpretações, como já mencionamos, existentes da obra de Marx, que em vez de aprofundar os estudos por ele escrito, acabavam acrescentando algo novo, pessoal e até antagônico, contribuindo para o aparecimento de leituras adaptativas, teológicas, oportunistas e exóticas, trazendo um desvio total de sua teoria. O segundo se deve ao fato dos considerados marxistas e não marxistas associarem a teoria de Marx como sendo a base para a existência do socialismo real ou de acumulação, como se as coisas tivessem o mesmo fundamento. Esse equívoco de ver o socialismo real como expressão da teoria Marxiana nunca foi tão danoso, equivocado e mal intencionado para o ideário marxiano, como na atual conjuntura.
Diante desses fatos, podemos concluir que ocorreu efetivamente um processo de direitização da sociedade, que se instalou também na academia, denunciando ou melhor, “desnudando” os marxistas de moda, junto aos conhecidos trogloditas de direita, que se unem em oração na defesa do neoliberalismo.
Assiste-se ao surgimento de uma direita, que anteriormente era esquerda e uma nova “esquerda” não-marxista, que é desarticulada da sociedade política, pois é, anti- marxista, não militante e até certo ponto despolitizada.
Com referência à despolitização da realidade, que surge em razão da direitização, nunca um fim de século trouxe tantas mudanças no seio da sociedade como agora. Há uma descrença mundial pela política partidária, tanto de direita como de esquerda, os sistemas econômicos estão em crise e a lógica da crise traz como solução o neoliberalismo.
O neoliberalismo, por ser a forma mais refinada de emburguesamento, trabalha pela despolitização, desacreditando a vida política e os políticos em geral. Os sindicatos e as associações perdem sua força de barganha, são hostilizados e ridicularizados pela sociedade e por seus próprios filiados , pois entendem, que houve um esgotamento da luta de classe.
Os partidos se tornam objetos de interesses particulares e não coletivos, pois em sua maioria são artificiais e servem a interesses de grupos econômicos. A referência ideológica perde sentido porque não preenche mais os interesses do capital, observa-se o surgimento de partidos menos ideológicos e mais ecológicos.
Vejamos onde estão os partidos de esquerda ?
Perdidos em suas facções autofágicas, represando a água que a crise do capital movimentou, portanto, lutando pela calmaria, garantindo emprego para os empregados, pregando a bandeira branca na relação capital/trabalho e buscando saída pelos movimentos populares menos partidarizados. A lógica é a negação do político e a adoração dos pensamentos livres, abertos, naturais e descomprometidos de qualquer objetivação teórica e filosófica, portanto de tonalidade irracionalista. Este é o jogo da despolitização.
A negação da lógica histórica se vincula ao neoliberalismo, por conter em sua essência a irracionalidade da desigualdade e defender a igualdade dos desiguais. Trilha no campo da filosofia da aparência sustentada pelo espírito neoliberal, que acaba negando o desenvolvimento da humanidade, entendendo ser o homem incapaz de captar a lógica das determinações sociais.
Neste sentido, fortalece a idéia de parcialidade, que discutimos mais adiante e nega ao homem a capacidade de compreender sua totalidade histórica.
Essa visão se sustenta na negação do método da economia política, onde os economistas clássicos, apesar de denunciados por Marx, continuam sendo os portadores do mais avançado. Segundo o capitalismo neoliberal, sua base epistemológica é a empiria pura, a qual busca dar conta de explicar a realidade, como se o fator quantidade determinasse a qualidade.
Poucos entendem, mas todos concordam. Há um forte conteúdo irracionalista no neoliberalismo, que é a expressão exata da crise da sociedade contemporânea. Surgindo então alguns modismos, o principal deles é aquele no qual teólogos da academia vem discutindo: a volta da espiritualidade nas Ciências Sociais. O caminho para isto se dá pela metafísica e pelo idealismo, um positivismo renovado, fiel aos princípios da subjetividade .
Com referência ao retorno do irracionalismo, já sinalizamos várias questões a esse respeito, mas não poderiamos deixar de salientar que o mundo apresenta um retorno à barbárie. Neste sentido, acredita-se que a capacidade humana é restrita e finita em relação à capacidade de um ser onipotente, onisciente e onipresente que é infinito e sem limites. Na verdade, nega a regência histórica dos homens sobre a natureza colocando a própria natureza como determinante dos homens.
A força do irracionalismo administra os homens, molesta a humanidade e sacrifica o desenvolvimento da história. Essa referência nega a vida e cultiva o terror civilizatório da barbárie.Mas é na lógica do capital, mostrando os seus limites e contradições, que o mesmo, subsiste e se eternaliza segundo seus interesses de classe. Produzindo os desvios da academia, tentando destruir o mais avançado com o que se tem de mais atrasado. Inacreditável como setores da intelectualidade conseguiram tornar o principal secundário e o secundário em principal. Este desvio de entendimento do concreto, cultiva a história do presentismo, descrevendo a realidade segundo a etnologia tradicional e propondo uma visão de mundo classificada por uns de modernismo ou de pós-modernismo.
CRISE DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
O ensaio procura esclarecer aqueles leitores que tenham dúvidas e desconhecimento sobre as verdadeiras intenções da proposta neoliberal. Não pretendemos e nem poderíamos querer esgotar o assunto, entretanto, demos início à discussão do tema dentro de um enfoque pouco trabalhado: a crise da sociedade contemporânea.
Entendemos que tal crise se manifesta na totalidade dos sistemas econômicos mundiais, configurando-se como estrutural e afetando drasticamente os países capitalistas e as próprias sociedades pós-revolucionárias. Sua existência se localiza para além dos sistemas econômicos em si, ou seja, são produtos de uma relação de produção definida e historicamente particular de sociedade. A crise não é de sistemas mas sim do capital, que está sempre procurando um novo ciclo de acumulação para perpetuar-se e determinar o rumo da humanidade.
Ambos os sistemas, aparentemente diferentes, mas vítimas de uma mesma enfermidade: a regência do “capital”, manifestando-se dentro de padrões relativamente iguais, reproduzindo a exploração, o autoritarismo, a pobreza e a miséria, segundo o professor José Chasin:
A lógica do capital, que matriza a barbárie do capitalismo contemporâneo, é responsável também pela barbárie do socialismo de acumulação. [3]
Portanto, a crise de um se configura na crise do outro, a essência deste processo está contido no “capital”, que estabelece, determina e impõe um controle tanto do capitalismo, como das sociedades pós-capitalistas. Sua superação se dará por meio do aparecimento de um novo ciclo de acumulação de “capital”, a qual a oligarquia financeira mundial chama de neoliberalismo.
É o neoliberalismo que faz a orquestração das mudanças dentro das sociedades pós-capitalistas e capitalista, pregando religiosamente a “... crença nas virtudes do mercado e da formalização da liberdade” [4] .
Esse processo não atinge aos marxianos, mas sim aos marxistas, porquanto o golpe do discurso mentiroso e pseudo-científico tenta confundir o interior da academia com falsos pressupostos teóricos.
O exemplo mais próximo do que dissemos acima, é o socialismo de acumulação se autodenominar socialismo de Marx e Engels, tentando mostrar que as falhas, contradições e o próprio desencanto para com aquele sistema, têm suas raízes na própria proposta socialista marxiana. Entretanto, se procurarmos entender o verdadeiro socialismo marxiano, devemos encará-lo como um processo que se concretizará quando as forças produtivas estiverem amplamente desenvolvidas, a interdependência mundial revolucionária existir e o processo revolucionário for de iniciativa dos países mais avançados. Esse devir permitirá a superação da “regência do capital” e o aparecimento do sistema socialista mundial. A crise não deve ser entendida como parcial e localizada, mas sim global, universal e intermitente, apesar de existir uma vasta literatura especulativa que procura responsabilizar Marx pela crise do socialismo de acumulação e colocar em dúvida os fundamentos da teoria marxiana.
Aceitar o pressuposto da parcialidade é admitir a incapacidade da racionalidade humana em dar conta da totalidade, ou seja, um rasgo preocupante de princípios irracionalistas. Esta base de pensamento é defendida pelo neoliberalismo, pois admite que a crise está localizada somente no socialismo de acumulação e que a solução é a implementação do neoliberalismo. Instrumento capaz de acabar com a crise do mundo contemporâneo, estabelecendo o processo de privatização, para que o paraíso da livre concorrência flua um novo ciclo de acumulação de “capital”.
A ideologia neoliberal caminha dentro do labirinto perigoso da onipotência terrena, santificando e secularizando ao mesmo tempo o “capital”. A máscara neoliberal serve para ocultar o cérebro das “bestas-feras” que fazem a apologia da livre concorrência e da privatização, e o elemento principal da crise se refere ao papel que o Estado desempenha no capitalismo e no pós-capitalismo.
Nas economias chamadas “livres”, a ingerência do Estado na sociedade desde de Keynes é profunda, surgindo a luta para que se regulamente o Estado mínimo, limitando ao máximo suas ações normativas e executivas. Nas sociedades de economia centralizada, o ataque se localiza na impossibilidade da existência de um mercado livre, no atraso tecnológico e na irracionalidade da produção, isto é, um custo benefício altíssimo.
Por possuírem a mesma descendência com o “capital”, tanto o capitalismo como as sociedades pós-capitalistas cerram juntas ataques a Marx e a sua teoria, responsabilizando-o pela crise do mundo contemporâneo. Mal informados alguns “críticos” tentam desmoralizar e invalidar a idéia de um socialismo marxiano, como se Marx fosse o responsável pelos atuais fracassos do chamado socialismo, István Mészáros permite entender a relação entre socialismo real e Marx:
No projeto original de Marx, o socialismo só poderia ser realizado se tivesse em vista ir para além do capital. Por isso, é preciso identificar, na sociedades atualmente existente onde o poder do capital permanece [5] .
Na verdade há um esquecimento proposital da história e um aparecimento oportunista do chamado presentismo que tem suas raízes no neoliberalismo.
Não existe nada de estranho em entender que as sociedades pós-capitalistas tragam em seu interior a crítica àquele tipo de socialismo, bem como, busquem no neoliberalismo a salvação, pois como afirma José Chasin o atraso, pobreza e solidão não conduzem ao socialismo.
Com estas primeiras sinalizações, podemos entender por que segmentos dentro da intelectualidade acadêmica revoaram para outros campos, pois muitos que se intitulavam marxistas poucos eram marxianos. Inacreditavelmente, argumentos antes condenados hoje são defendidos, há uma inversão de valores onde a santificação e a secularização são momentos presentes na vida dos “cristãos” novos do neoliberalismo.
A mudança de postura teórica não deve ser considerado como algo individual, mas resultado de um processo mundial de direitização pela qual o mundo vem passando, como já comentei na apresentação.
Com a crítica aberta ao Estado por sua ineficiência e pela obstaculização da livre iniciativa, o movimento de crítica e negação a Marx e ao socialismo de acumulação toma rumos que apontam um devir pelo cancelamento da razão e um encontro com o irracionalismo.
O Estado passa a ser o elemento principal na contextualização da crise mundial, pois a sua dimensão intervencionista ocorre nos dois sistemas econômicos. É aí que o neoliberalismo ganha espaço para impor suas dimensões ideológicas e organizar um novo ciclo de acumulação de capital garantindo de vez sua exclusividade enquanto solução para a sociedade.
Após as referências feitas, podemos agora detalhar o processo de globalização que planifica e molda todo um movimento de subordinação das economias regionais ao capital americano, japonês e alemão. Para enfrentar a crise buscam respostas na integração econômica regional, aumentando o poder de troca e gravitando as economias aos interesses da acumulação monopolista e oportunista:
Como sabemos, la unión integracionista ha sido un sueño pretendido por ilustres americanos ... la imposición hegemónica de Estados Unidos que pretende implantar em todo el orbe procesos de globalización que predican la teoría neoliberal. [6]
Entendemos que a globalização se apresenta como um projeto do neoliberalismo, ultrapassando as questões meramente econômicas e fabricando o interesse geopolítico, em dividir o espólio do mundo em produtores de matéria prima e alimentos que serão consumidores de produtos industrializados. E produtores de mercadorias industrializadas, que serão consumidores de matéria prima e alimentos.
Essa relação de desigualdade se dá em razão de preços diferenciados existente entre produtos industrializados e primários, demonstrando que a lógica do capital é encontrar a melhor forma de sacar a mais valia plena.
Assim, o neoliberalismo é o instrumento ideológico da globalização, que pode ser entendida como a segunda “conquista da América,” onde o capital compra os recursos, a infra-estrutura industrial e a mão de obra barata e despolitizada. Segundo alguns teóricos, a globalização pode ser entendida como o momento exato para se realizar uma pilhagem no Estado.
A ideologia da competitividade e da racionalidade que acompanha a justificativa dos neoliberais objetiva desencadear um novo processo de reconcentração da riqueza, além das fronteiras nacionais. A lógica é demonstrar que o privado, sem qualquer ônus ao Estado, pode produzir, distribuir e comercializar seu trabalho vivo, utilizando circuitos transnacionais independentes e autônomos da referência estatal.
Essa auto-suficiência se refere ao movimento de ocultação que as diferenças econômicas produzem passando a idéia de princípios igualitários e defensores dos pressupostos da democracia universal. Esse processo traz uma simpatia aos países hegemônicos de economias desenvolvidas e um desespero às economias subdesenvolvidas, isto é, há uma negação da história local em favor de uma história alienígena massificadora. Isto produz a alienação da própria história na perspectiva de adotar a história dada pelo Neoliberalismo, onde a única diferença admitida é a capacidade da produção, como se os padrões societários pudessem ser objeto de medição quantitativa.
CONCLUSÃO
Quando relevamos à instância principal a “crise” como instrumento detonador da discussão do neoliberalismo, partimos do pressuposto de que a superação da mesma só seria possível fora do capital. É pois no socialismo de Marx e Engels que teremos um novo momento histórico, com uma nova esquerda e um novo patamar de relação societária.
Reafirmamos, assim que o neoliberalismo não é solução para a crise, mas sim o seu próprio aprofundamento. Navegar em suas águas significa praticar a anti-história e retardar o caminho para o socialismo.
Qual seria o papel histórico a ser desempenhado por nós latinoamericanos ?
Seria ingênuo acreditar no desaparecimento da luta entre os interesses econômicos e ideológicos dos Estados Unidos e a União Soviética, bem como pensar que a chance da América Latina em ser beneficiada com a entrada de capital dos grandes conglomerados econômicos fosse enorme pois, por detrás destas intenções econômicas estão a necessidade de paz social, a volta das democracias civis e a luta pelos direitos humanos. Na verdade isto é real, mas a intenção concreta é ampliar a exploração da mais valia e não planificar democracias demasiadamente democráticas mas sim, controladas.
A busca é criar democracias de punho forte e obedientes aos cânticos religiosos do neoliberalismo, para que o processo de continuísmo determine a reeleição dos atuais chefes de Estado na América Latina
Os países fora dos grandes pólos políticos são obrigados a obedecer antigos preceitos, fazer a governabilidade da submissão permitindo que o mercado seja livre, privado e despossuído de qualquer instrumento protecionista.
A política da subordinação agita o mundo econômico latinoamericano, enterrando de vez seu passado rebelde de luta pela auto-determinação, controlando seus avanços econômicos no campo da indústria independente e nacional, criando a fantasia da democracia e da paz social, agora necessária na luta pelos direitos humanos. Tudo isso nos coloca frente a uma América-Latina domesticada, não radical, disposta a favorecer a ampliação da acumulação de capital e com uma historiografia oficial muito dócil no seu passado histórico como se seus habitantes fossem figuras de uma vida bizarra ou exótica marcadas pelo atraso da humanidade.
Por isso surge a necessidade de se manter um controle confiável a nível econômico entre parceiros unidos na lógica dos valores de uso e de troca. É na busca da inflação econômica (estabilidade), que os governos trabalham para proceder uma espécie de “congelamento da história”, criando para isso a inflação social, que seria a negação do estado do bem-estar social. Conseguindo entretanto a estabilidade de uma elite econômica em relação à destruição e negação da vida do outro, isto é, tornando o irracionalismo elemento determinante na civilização contemporânea.


BIBLIOGRAFIA:

REVISTA ENSAIO nº 17 e 18, São Paulo, 1989.
REVISTA ENSAIO nº 15 e 16, São Paulo, 1986.
REVISTA ENSAIO nº 14, São Paulo, 1985.
REVISTA ENSAIO nº 13, São Paulo, 1984.
REVISTA ENSAIO nº 11 e 12, São Paulo, 1983.
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REVISTA TEMAS DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Editora Ciências Humanas Ltda, São Paulo 1988.
NILSON ARAÚJO DE SOUZA. O colapso do neoliberalismo. Editora Global, São Paulo 1995.
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PATRÍCIA GUDINO. Norteamericana Y Su Proceso de Integración Editorial Fundação UNA, 1994 Costa Rica.
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JÕAO E. EVANGELISTA. Crise do Marxismo e Irracionalismo Pós-Moderno. Editora Cortez, 1992, São Paulo.

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