domingo, 21 de junho de 2009

Ideologia e o fenômeno do Turismo na sociedade contemporânea

Ideologia e o fenômeno do Turismo na sociedade contemporânea

João dos Santos Filho
Sócio apresentador de trabalho

A produção de idéias, de representações e da consciência está em primeiro lugar directa (sic) e intimamente ligada à actividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real. As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens surge aqui como emanação directa do seu comportamento material. O mesmo acontece com a produção intelectual quando esta se apresenta na linguagem das leis, política, moral, religião, metafísica, etc., de um povo. (MARX, 1976.25)


RESUMO
As Ciências Sociais permite interpretar a realidade que vivemos, e auxilia-nos fazer a ponte para com o turismo dentro das matrizes sociológicas do Funcionalismo, Estruturalismo e do Materialismo histórico. Há uma identificação de entendimento no fenômeno do turismo, para com o positivismo, que o leva a adotar de forma idealista o conceito de sustentabilidade. Esse fator nega, sistematicamente as contradições por meio da ideologia salvadora (turismo), que o sistema econômico Socialista e Capitalista consegue sair da crise graças ao turismo. A ideologia que adere ao fenômeno do turismo
é determinada pela lógica do Capital, pois por ele é usada para aumentar o acúmulo de capital e dominar o mercado do entretenimento globalizado.
Palavra-chave: funcionalismo e turismo, estruturalismo e turismo, materialismo histórico e turismo, ideologia do turismo.



Esclarecimentos

O arcabouço teórico existente no interior das ciências Sociais auxilia na leitura científica da realidade social constituindo-se em um instrumental fascinante e, ao mesmo tempo, desafiador, para qualquer ciência e pesquisador, porque é nesse momento que ocorre a criação de conceitos e ideologias como resultada da práxis humana, e configurada no âmbito da objetividade e subjetividade da relação sujeito/objeto. Ganhando dimensões alternadas e até antagônicas, como explicativas do objeto, segundo as diferentes epistemologias existentes para a leitura do real.
Esse processo para produzir ciência é expresso por diferentes formas teórico-filosóficas de interpretar o objeto pesquisado e tem como princípio trazer o conhecimento humano para o campo da universalidade do saber cientifico, que deve estar contida em cada conceito, pois sua validade não pode ser generalista, ocasional ou local, mas, sim, produto do movimento da história universal da humanidade, em que:

[...] Em primeiro lugar, o ser em seu conjunto é visto como um processo histórico; em segundo, as categorias não são tidas como enunciados sobre algo que é ou que se torna, mas sim como formas moventes e movidas da própria matéria: “formas do existir, determinações da existência”. (LUKÀCS, 1978: 3)

A ideologia é, então, produto de uma ação prática operativa de um ser consciente como afirmava Marx “[...] o Ser dos homens é o seu processo da vida real.” (MARX, 1976: 25), e sua ponte para com o turismo está na leitura que as matrizes sociológicas fazem do fenômeno turístico.

Delimitação

A nós nesse caso interessa, a matriz sociológica do método de interpretação funcionalista, que se torna hegemônica na leitura do turismo, produzindo afirmações ideológicas de ordem positivista com profundos traços advindos da metafísica, na adjetivação do turismo como: turismo sustentável; turismo fonte de empregos; turismo atividade econômica não poluidora; turismo desenvolvimento ecologicamente sustentável; turismo a paz entre os povos; com o turismo ninguém perde todos ganham; turismo indústria das ilusões; turismo como distribuidor de renda; turismo como forma de exercer a liberdade e indústria sem chaminés e turismo de inclusão.
Esses adjetivos e frases de princípios existencialistas conferem ao turismo, segundo o pesquisador Helton Ricardo Ouriques, um “caráter fantasioso”, isto é, a mercadoria turismo mostra-se com potencialidades que não são próprias de seu objeto, mas, sim, acrescidas a ele, por isso o turismo tem uma característica fundamental que é mexer com o lúdico e o imaginário dos indivíduos e elevar parte de seu aporte conceitual para o campo da análise metafísica.
Nesse sentido, o turismo é a “melhor” mercadoria que poderia aparecer para o Capital, pois a qualidade de valor de uso e troca daquele pode ser ampliada e estimulada segundo os interesses do sistema, tanto no chamado socialismo real como no capitalismo.
Para o Estado o que interessa é o turismo receptivo e o turismo doméstico de luxo praticado por uma burguesia abastada e globalizada, aparecendo como prioridade nas estatísticas governamentais para o desenvolvimento econômico. O Capital valoriza a entrada de recursos financeiros, suplantando sempre as previsões, surgindo o turismo como capaz de oportunizar, o equilíbrio e harmonia dos sistemas e de salvá-los da crise do próprio Capital.
Além do que os interesses da economia globalizada e imperialista ditam as regras de como deve ser o turismo nas economias periféricas, destruindo as culturas nativas, explorando a mão de obra barata local e servindo-se para introduzir, nas economias pré-capitalistas, as próprias relações capitalistas de subordinação.
O interesse do Capital está presente na defesa inconteste do turismo receptivo em razão do mesmo ser primordial para atender aos interesses do capitalismo monopolista e do socialismo real, que instala suas estruturas nos recursos naturais que restam na humanidade para extrair a mais valia ampliada, isto é, um instrumento eficiente e garantido pela “legalidade” para a exportação de Capital. Que interessa diretamente ao trade que está encastelado pelos interesses da economia internacional é vender o paraíso terrestre, como afirma o professor e investigador espanhol, Rafael Esteve Secall, da Universidade de Málaga:

As matérias primas turísticas que adquieren los países imperialistas son el sol, el mar, el paisaje costero, es decir el medio ambiente turístico, y las utilizan gratuitamente a pesar de que para su disfrute por el turista, la admistración del país visitado há tenido que afrontar los gastos de construcción de uma infraestructura que, asimismo, es prácticamente gratuita para os turistas. (SECALL, 1983, p. 253)

Além das razões acima descritas pelo interesse do Capital para com o turismo, a razão principal para que os países periféricos ou em desenvolvimento sejam alvo dos interesses turísticos das grandes corporações é o turismo congregar em seu ato um número enorme de serviços que caracteriza uma exportação de capitais e não concretamente de mercadorias. Essa característica é própria do neoliberalismo em sua fase monopolista:
Esta exportación de capitales a través del turismo constituye uma condición necesaria para el mantenimiento del capitalismo monopolista dadas, por um lado, la limitación del campo inversor de las zonas monopolizadas; (SECALL, 1983, p.246)


Esse processo de globalização, imperialismo e dependência da qual o turismo faz parte, condiciona o trade e o Estado dos países emergentes a priorizar o turismo receptivo e a fantasiar uma falsa preocupação a respeito do turismo doméstico. Como exemplo, temos os Planos Nacionais de Turismo 2003 a 2007 e 2007 a 2010 do Ministério de turismo na qual a ênfase esta voltada totalmente para o turismo receptivo, apesar da maquiagem do discurso da inclusão.
As propostas desse plano aparecem materializadas por meio de programas, atividades e campanhas que tocam perifericamente nos problemas do turismo interno, pois pulverizam os esforços na perspectiva de nunca alcançar suas causas.
Vejamos o caso do Plano Nacional do Turismo 2003-2007, centrado no turismo receptivo, que tantas vezes denunciamos em artigos , apesar de apresentar uma série de programas, todos sem exceção tangenciam e se perdem na busca de acelerar o turismo doméstico, visto que o macro interesse dos programas está voltado para atender ao turista estrangeiro. Esse fato, hoje, parece ser consenso entre parte do governo e setores do trade, voltados para o mercado interno que estava sufocado pelos interesses do turismo receptivo.
No dia 13 de junho de 2007, o Ministério lançou o “Plano Nacional de Turismo 2007-2010 - Uma viagem de inclusão”, que tenta prioriza o turismo doméstico e traz falso alento para pequenos setores da cadeia produtiva que estava em processo de desaparecimento diante dos interesses do turismo receptivo.

Marco Teórico

Na verdade, porém, a ideologia não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada. Como tal, é insuperável nas sociedades de classe. Sua persistência obstinada se deve ao fato de ela se constituir objetivamente (e reconstituir-se constantemente) como consciência prática inevitável das sociedades de classe, relacionada com a articulação de conjuntos de valores e estratégias rivais que visam ao controle do metabolismo social sob todos os seus principais aspectos. (MÉSZÁROS, 1996, p.22).

Partindo da premissa de que a consciência dos homens é produto da base material no processo histórico dos indivíduos com a natureza e com outros homens, na qual ele está inserido, considera-se que a produção das idéias (ideologias), da consciência e das representações é resultado da sua realidade cotidiana. Com isso, estamos reafirmando que a relação que os homens desenvolvem entre si e com o meio constrói suas idéias, isto é, “não é a consciência que determina a vida, mas a, sim, a vida que determina a consciência”. (Marx, 1976, p.26)
A materialidade, na qual o homem está inserido, forma e determina o mundo do trabalho como determinação fundante que permitirá a civilidade dentro dos parâmetros das diferentes etapas do pensamento racional. Por isso, o aparecimento de diversas e diferentes ideologias tem seu substrato localizado no trabalho, protoforma de toda e qualquer atividade social.
O cotidiano social manifesta-se de forma dialética, apresentando problemas que devem ser conscientizados e resolvidos. Esse resolver pressiona o aparecimento de formas ideológicas, para o encaminhamento da resolução dos problemas, visto que, segundo Lukács, “a ideologia é acima de tudo aquela forma de elaboração ideal da realidade que serve para tornar a práxis social dos homens consciente e operativa” (apud. VAISNAN, 1986: 37-8).
No trabalho inédito de Ester Vaisnan de 1986, referente à discussão sobre ideologia, em Georg Lukács, a autora esclarece-nos e amplia o conceito, ao afirmar:

Na medida em que o ser social exerce uma determinação sobre todas as manifestações e expressões humanas, qualquer reação, ou seja, qualquer resposta que os homens venham a formular, em relação aos problemas postos pelo seu ambiente econômico – social, pode, ao orientar a prática social, ao conscientizá-lo e operacionalizá-la, tornar- se ideologia. Ou seja, ser ideologia não é um atributo específico desta ou daquela expressão humana, mas, qualquer uma, dependendo das circunstâncias pode se tornar ideologia. (VAISNAN, 1986: 39)

Com isso, ideologia ultrapassa a definição como instrumento de luta de classes e ganha dimensão de totalidade em que a intenção racional se mostra capaz de dar respostas aos desafios que se apresentam aos homens, como afirma novamente Vaisnan:

Para Lukács, portanto, ideologia não é a consciência, mas uma forma específica desta; especificidade cujo traço marcante é o de estar voltado à prática, o de ser presente em toda a prática humano-social. Tendo em vista essa sua característica essencial, a ideologia, não pode ser o mesmo que consciência da realidade, pois as generalizações produzidas pela ideologia estão sempre orientadas pela práxis, pelo objetivo de transformar ou manter uma realidade. (VAISNAN, 1986: 53)

Nesse sentido, podemos afirmar que todo Programa de Políticas Públicas em turismo tem a expressão de uma ideologia que atende aos interesses imediatos de determinada classe social, pois aposta em determinada prática transformadora. Assim entendido, reforçamos a idéia de que é possível identificar as diferentes ideologias expressas pelos inúmeros e diferentes Programas de Políticas Públicas em turismo existentes no Brasil.


IDEOLOGIA DO TURISMO NA SOCIEDADE DO CAPITAL

Na verdade, porém, a ideologia não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada. Como tal, é insuperável nas sociedades de classe. (MÉSZÁROS, 1996: 22)


A ideologia como expressão simbólica possui o peso e a função da fantasmagoria, encantamento e do ilusionismo, pois protege e reorganiza, de forma constante, a falsa aparência em sua função de ocultar a essência. O poder da ideologia só existe porque a mesma é sempre produto de base material e histórica, decorrente do processo de estratificação social que permitirá à classe social e política abastada determinar a posição de classe dominante perante as outras, isto é, diante da sociedade.
Enquanto classe dominante determina, segundo uma ideologia também dominante, as tarefas necessárias para diminuir os conflitos entre as outras classes, atuando em todos os campos da atividade humana, com a função de minimizar as contradições históricas. Naturaliza pensamentos considerados “racionais”, inculcando idéias que busquem planificar os suportes ideológicos para um mundo “ideal”.
Novamente István Mészáros, colabora com nossas reflexões, quando afirma:

[...] a ideologia dominante tende a produzir uma estrutura categorial que atenua os conflitos vigentes e eternaliza os parâmetros estruturais do mundo social estabelecido. Compreende-se que, quanto maior for a importância dos interesses que motivam o conflito antagônico dos principais agentes sociais, mais pronunciada será esta característica. (MÉSZÁROS, 1996: 28)


Nesse sentido, a ideologia é uma entidade terrena que possui força descomunal, mas sempre se mostrando à sociedade e principalmente aos homens com base em propostas dentro da filosofia irracionalista existencial, propondo como soluções, para a humanidade, saídas que afirmam poder ultrapassar as crises do sistema econômico capitalista e do próprio capital dentro do capitalismo.
O turismo como fenômeno social sofre um processo ideológico de coisificação por meio do fetiche, ou seja, a ideologia passa pelas veias do turismo e inculca, na mente dos indivíduos, ilusões de um paraíso terrestre. Como se fosse possível encontrar o reino da felicidade dentro do capitalismo, a intenção é transformar a atividade turística no encantamento para as fantasmagorias do capital.
Trata-se, ainda, de uma das poucas atividades econômicas em que o eixo propulsor da acumulação do capital “parece” ser natural e não exploradora, pois apresenta-se lastreado de todo um glamour seguido de sedução, capaz de mascarar a existência da luta de classes. Dando à mercadoria-turismo o poder de trabalhar, comercializando mercadologicamente as contradições de classe, sem qualquer constrangimento para quem usufrui dessa mesma mercadoria.
Nesse caso, sobressai da atividade turística sua capacidade de utilizar do fetiche para fazer circular o turismo-mercadoria; esse processo inicia-se pelo valor de uso que, no turismo, é pleno, visto que o fetiche dos seus valores simbólicos monta infinitos fatores para a sedução. A esse respeito, Marx afirma:

Se as mercadorias pudessem falar, diriam: “Nosso valor-de-uso pode interessar aos homens. O que nos pertence, como nosso intercâmbio como coisas mercantis. Só como valores-de-troca estabelecemos relações umas com as outras” (MARX; Org. Ianni, 1984: 171)

O uso do fetiche no turismo atinge seu ponto máximo, quando o mesmo começa a ser um direito também de outras classes. Poderíamos dizer que a atividade se populariza em outros extratos sociais, pois “O turismo contemporâneo é o herdeiro das formas elitistas. Passou-se de um pequeno número às massas sem revolucionar o conteúdo”. (BOYER, 2003: 31)
Assim, o turismo-mercadoria tem um poder avassalador para acelerar a acumulação de capital, porque tendo que comercializar a natureza; as construções históricas; o exótico da pobreza e miséria; o erótico nativo tanto de adultos como crianças e as manifestações culturais. Apelou para o fetiche como forma de agregar ao objeto-turismo novos atributos, capazes de torná-lo atraente, sedutor para sua comercialização, e buscar o lúdico.


FETICHE DA MERCADORIA-TURISMO

Eis como a evolução do capitalismo no estágio imperialista não faz senão intensificar o fetichismo geral, pois, do fato da dominação do capital financeiro, os fenômenos a partir dos quais seria possível desvendar a reificação de todas as relações humanas, tornam-se cada vez menos acessíveis à reflexão da média das pessoas. (LUKÀCS, 1979: 29)


O fetiche ganha o status de conceito-chave nas Ciências Sócias; Marx, em sua obra O Capital, no capítulo “A Mercadoria”, corrobora tal idéia quando menciona-o de forma clara como resultado da relação entre produto e produtores que se transforma numa relação entre coisas. Esse processo manifesta-se pelo ocultamento das relações sociais de exploração, reificando a relação entre os homens e dando as bases para a alienação, que é o suporte amalgador no desenvolvimento das ideologias.
Marx, alerta para o “caráter misterioso da mercadoria”, para o filósofo, o fetiche acaba configurando a compreensão, pelo senso comum, de que o mesmo possui vida e alma própria como se fosse uma entidade metafísica e cujos sua energia viesse de um ser superior. Esse entendimento condiz com a idéia que Marx discute profundamente em seu texto clássico “O método da economia política”. A existência de dois métodos para fazer a leitura da realidade: o primeiro trabalha com a hegemonia dos dados empíricos, isto é, procede a uma leitura do real, destacando a importância da quantificação dos dados, registrando: “O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia. Os economistas do século XVII, por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.” ( MARX, 1982: 14)
O primeiro método é apropriado pelo discurso do turismo brasileiro, que usa os dados empíricos via estatística em um mundo animado dos números, cruzado pelos constantes recordes de entrada de divisas e de maior permanência de turistas em território nacional. Tudo divulgado pela mídia empresarial, maquiada e apoiada por interesses econômicos e políticos em que o fetiche dos números alcança constante recorde. No Portal Brasileiro de Turismo do Ministério do Turismo acessado em 20 de fevereiro de 2007, deparamos-nos com o seguinte trecho da notícia:
Se considerados os iguais períodos dos dois anos, o acumulado nos 11 meses de 2006 revela-se 11,82% maior que os US$ 3,502 bilhões registrados de janeiro a novembro do ano passado. Na comparação mês a mês, a entrada de US$ 367 milhões em novembro deste ano supera em 5,46% os US$ 348 milhões obtidos em novembro do ano anterior. "Os dados de novembro consolidam o crescimento na entrada de dólares e nos indicam o fechamento do ano com receitas da ordem de US$ 4,3 bilhões", avalia o diretor de Estudos e Pesquisas da Embratur, José Francisco de Salles Lopes.

O fetiche ganha espaço e ressonância junto aos órgãos públicos, manipulando os dados, inflacionando estatísticas, atendendo a vaidades de burocratas que fizeram do turismo ponte para alcançar outros cargos. Noticia sobre o constante ultrapassar de metas na entrada de turistas estrangeiros e dólares é motivo de comemorações na mídia, feitas com armações de marketing.
George Lukács, filósofo de suma importância para a compreensão da categoria trabalho na sociedade contemporânea, indiretamente pode nos dar (aos investigadores do fenômeno turístico) um avanço no estudo do turismo. Apesar de o autor nunca ter se referido ao termo turismo, seu estudo toca na questão de forma indireta como podemos perceber em um artigo sobre as bases Ontológicas do Pensamento e da atividade do homem, no qual afirma:

Se analisássemos bem as constantes teorias dos grupos dirigentes políticos, militares e econômicos de nosso tempo descobriríamos que elas – consciente ou inconscientemente – são determinadas por métodos de pensamento neopositivistas. (LUKÁCS, 1978: 2)


Neopositivismo, corrente do pensamento idealista, arcabouço teórico da filosofia burguesa do século XIX, valoriza o pensar cotidiano como verdadeiramente científico. Sua referência operativa é a base empirista, hegemônica para a formulação do pensamento científico da época e atual. Basta atermos-nos aos discursos, notícias e palestras proferidas pelos órgãos públicos que percebemos o quanto o turismo é tratado de forma coisificada, muito próximo das análises economicistas.
O segundo método é aquele cuja visão histórica é base de toda compreensão, repudiando a hegemonia dos dados empíricos e avançando para uma análise ontológica do fenômeno. Para Marx, “é manifestamente o método cientificamente exato”, capaz de perceber o fenômeno do turismo de forma crítica, fugindo da aparência dos fatos, isto é, afastando-se do fetiche e buscando uma apreensão do objeto mais científica.
Nesse método, Marx, de forma clara, destaca a necessidade de se avançar além do pensamento do censo comum e trabalhar o pensamento científico para a compreensão da realidade, e nesse esforço, escreve de forma genial:

O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. (MARX, 1982: 14)

O turismo necessita ser lido e refletido nesse segundo método, pois o mesmo não pode continuar a ser trabalhado pela aparência da quantificação dos dados, visto que os mesmos ocultam a essência e aliciam a mercadoria para o mundo do fetiche. Por isso, o turismo deve ser entendido não como ponto de partida, mas, sim, como resultado das inúmeras e contraditórias determinações que compõem o fenômeno.
Com isso, o turismo deve questionar por que se usa a leitura neopositivista em seu discurso? Por que adere tanto ao fetichismo, e é tão fácil de converter-se em mercadoria das ilusões? Por que culturas inteiras nativas são massacradas pela cultura de massa do turismo? Por que a atividade turística aceita tão docilmente a padronização mundial e hegemônica da hospitalidade que, em muitos casos, agride as normas e costumes de nosso povo? Por que o turismo é considerado mensageiro da paz? Por que o turismo encobre as contradições do sistema econômico e trabalha para manter o status-quo? Por que o turismo serve ao Estado como força ideológica preventiva, para combater seus opositores? Por que o turismo foi visto no Brasil, pelo Estado, como capaz de fortalecer a economia e esquecido como políticas públicas para os brasileiros?
Todas essas perguntas devem der objeto de futuras pesquisas. Reconhecer as limitações do turismo dentro do discurso neopositivista constitui-se na própria leitura crítica do turismo. O fenômeno do turismo não pode ser visto fora das relações de produção, pois se constitui em uma atividade ligada ao trabalho, que produz horas de não-trabalho, apropriadas pelo assalariado, segundo sua posição na estratificação social.
Como mencionamos anteriormente, o turismo, por suas raízes elitistas, visto que o dever ao trabalho era reservado à plebe, alimenta um preconceito histórico e literário que se reflete por toda sociedade contemporânea. Presente na academia e nos centros de pesquisa, o estudo do turismo ainda é tímido e unilateral, uma vez que a quantidade de trabalhos dentro do neopositivismo é hegemônica.
A literatura sobre turismo é repetitiva, há uma constância quase total de produção literária dentro da matriz do Funcionalismo a qual dá ênfase à descrição quantitativa e linear do fenômeno, aderindo às descrições empíricas de dados estatísticos e valorizando o lado econômico do objeto. A fundamentação teórica e filosófica dos estudos carece de maior e melhor refino epistemológico, para uma verdadeira sustentação acadêmica.



BIBLIOGRAFIA

LUKÁCS, Georg. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. In. Revista Temas de Ciências Sociais. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.

LUKÁCS, Georg. Existencialismo ou Marxismo. São Paulo: Ciências Humanas, 1979.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã I: Crítica da filosofia Alemã mais recente na pessoa dos seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão na dos seus Diferentes profetas. Portugal: Presença, 1976.

MARX, Karl. Para a crítica da economia política: salário, preço e lucro; o rendimento e suas fontes: a economia vulgar. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

MARX, Karl. Sociologia. (org) Octavio Ianni. São Paulo: Ática, 1984.

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Ensaio, 1996.

OURIQUES, Helton Ricardo. A produção do turismo: fetichismo e dependência. Campinas: Alínea, 2005.

SANTOS FILHO, João dos. Ontologia do turismo: estudo de suas causas primeiras. Caxias do Sul: Educs, 2005.

VAISNAN, Ester. O problema da ideologia na ontologia de Lukács. Dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: 1986.

SECALL, Rafael E. Turismo,¿ Democratización o Imperialismo? Espanha: Universidad de Málaga, 1983.

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